O novo hippie

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A fila do pedágio naquela quinta-feira não estava longa - não era sexta tampouco final de semana. A maior parte dos motoristas erma pessoas que viviam na região de Camaçari ou Lauro de Freitas. Poucos eram os turistas de férias que paravam ali a fim de pagar o pedágio; um deles era o casal meio hippie que seguia na fila.

Ele, sentado no banco do passageiro, cuja janela estava fechada, tinha um chapéu de palha na cabeça, as longas barbas pintadas de verde, e delineador forte nos olhos. A camisa larga não disfarçava as tatuagens, e os colares de contas e pedras indicavam que ele seria algum artesão ou mochileiro.

Quem dirigia era uma mulher de cabelo comprido na cor preta, que a atendente imaginou ser lace. Possuía piercings no nariz, batom roxo berrante e só era possível ver uma camisa longa com uma folha da cannabis estampada na frente.

"Esses dois aí devem ser maconheiros que estão indo pra Arembepe...", inferiu a atendente enquanto via o carro seguir em frente após sair do pedágio.

De certa forma, ela estava certa em uma coisa: eles seguiam para Arembepe. No entanto, nenhum deles era usuário de drogas. Sérgio Alencar gostava de uma bebida alcoólica, e Lílian preferia evitar qualquer tipo de álcool. O destino deles era o distrito de Camaçari por um motivo simples: a jovem perguntou ao ex-ator quem eram os convidados da festa onde Jennifer tinha sido morta, e Sérgio informou sobre a presença de boa parte do elenco da novela "Crimes de Paixão", diretor e autor da novela e alguns executivos da TV.

Assim que ela buscou os nomes de cada um no Google, a designer descobriu uma coisa surpreendente sobre um dos nomes mais famosos da novela:

- Roger Molina deixou a carreira de ator pouco após sua prisão, e virou hippie. – comentou Lílian, logo após ler a matéria especial de uma famosa revista semanal sobre a mudança de vida do famoso galã de novelas. – Parece que ele se revoltou com a forma como você foi tratado e esquecido e chutou o pau da barraca.

- Não tô surpreso. Esse sempre foi amigo, Roger era barril dobrado.

- Ele não fez apenas deixar a carreira de ator, ele vendeu tudo que tinha, abandonou a fortuna e foi morar em uma aldeia hippie em Arembepe, vendendo colares e pulseiras. Eu tô passada.

- Caralho... – foi a única coisa que Sérgio falou após saber a informação. Aquela era uma mudança verdadeiramente drástica. Ele, Sérgio, perdera tudo, mas não porque quis. Roger tomou a decisão de maneira deliberada, pensada.

Como os dois sabiam que o carro que eles utilizavam já estava visado pela polícia, decidiram pegar um outro veículo emprestado junto a Coringa, que aceitou prontamente. Ele entregaria o primeiro carro para um parceiro do tráfico se desfazer e vender as partes para oficinas mecânicas da região.

- Pensei que vocês iam trocar a placa... – especulou o ex-ator.

- Minha santa mãezinha me disse que é melhor prevenir do que remediar, Novela das Oito... – Coringa piscou o olho na direção não de Sérgio, e sim de Lílian.

O novo modelo não era sedan, o que para Lílian era bem mais fácil. Ela não precisaria se preocupar com balizas, ré, e o carro era compacto.

A única preocupação por parte dos dois era chegar ainda em tempo em Arembepe e encontrar um lugar para ficar e se esconder da superexposição provocada pela fuga por Salvador.

- Melhor a gente se esconder porque Trajano vai ficar atrás da gente igual a cachorro atrás de osso.

- Se teu amigo abrigar a gente por um tempinho, de boas.

Lilian conhecia o caminho – a jovem visitou Arembepe com alguns colegas de faculdade para uma pesquisa de trabalho, e também conheceu a aldeia hippie, onde comprou um presente para Otto, que curtia acessórios mais artesanais. O caminho foi feito com uma certa preocupação por parte da designer, já que parte da estrada era de terra, e Lílian tinha medo do carro quebrar ou o pneu furar no meio da rua.

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