Entrevista-bomba

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O âncora do famoso jornal local mal podia acreditar no que seus olhos enxergavam.

Não que ele já não tivesse conversado anteriormente com Sérgio para o spot de 30 segundos repetido à exaustão nos intervalos da TV Tropical, convocando todas as pessoas a assistirem à entrevista chamada "A Hora da Verdade".

No entanto, a situação era diferente quando ocorria ao vivo. Enquanto Ramiro, o assustado funcionário do bar no terraço, tentava explicar o que viu e deixou de ver, mexendo as pernas nervosamente e com medo de encarar a câmera, Sérgio Alencar estava em modo "astro da TV".

Sentado na cadeira confortável usada para as entrevistas de estúdio, as pernas cruzadas e o par de sapatos marrons lustrados, selecionou uma roupa comprada por seu amigo Rei de Copas – mas ninguém precisava saber: camisa social de linho creme, com os dois botões abertos mostrando uma parte das tatuagens massivas no peito, que também estavam expostas nos braços, já que as mangas da camisa estavam dobradas até o cotovelo.

A calça era jeans, justa, mostrando o corpo em forma, e os cabelos loiros estavam cortados, penteados para o lado, o sidecut devidamente aparado, barba feita.

No bolso frontal da camisa, óculos escuros guardados. Não parecia um fugitivo da polícia, e sim um playboy excêntrico que tinha acabado de voltar de um passeio em sua escuna.

Nos lábios, um sorriso de quem sabia exatamente como agir e de que maneira conquistar os espectadores que o assistiam, como ele sempre fez.

- Então, você reforça que não matou a sua esposa.

- Repito as mesmas palavras que eu disse no dia do julgamento: eu não matei minha ex-esposa. Se eu tivesse interesse em acabar com a vida de Jennifer e não ser preso por isso, era muito simples, Arnaldo: deixar que ela se acabasse nas drogas. Os depoimentos do meu advogado e de amigos diziam isso: que eu tentei várias vezes conversar com Jennifer e chamá-la à razão, mas a justiça não acreditou em mim e não acreditou no que pessoas próximas a nós falavam. Além disso, adictos tendem a mentir. Jennifer fez isso, construiu narrativas onde eu era o vilão, e eu não culpo as pessoas que acreditaram nela.

Do outro lado da câmera, Lilian acompanhava a entrevista entre apreensiva e genuinamente surpresa. O Sérgio Alencar na televisão não era o boca suja, o bandido conhecido como Novela das Oito ou Diabo Loiro. A forma como ele se expressava, o sorriso discreto e a forma como ele se voltava ao âncora e à câmera, variando seus comentários com respostas incisivas para o jornalista, indicavam que ele estava em seu modo ator. "Então... Sérgio Alencar como ator é exatamente assim..."

"Meu Deus... Como eu posso namorar esse cara... Ele é... Ele é muita areia para-" O pensamento surgiu em sua cabeça de repente, para a própria memória responder a Lilian com outra recordação. Lilian se lembrou de, pouco antes dos dois seguirem para a entrevista na TV, ela falar algo parecido a Sérgio - e ele responder, sem pensar duas vezes:

- Eu é que tenho sorte de ser teu namorado, Lil. Porra, tu podia ter me denunciado, sumido de minha vida quando você voltou pra casa daquele povo podre da sua família, mas tu teve sempre comigo. Caralho, eu te sequestrei, Lil! Quem não te merece sou eu, meu amor.

Foi pensando naquelas palavras de Sérgio que Lilian continuou a acompanhar a entrevista, já aguardando o momento principal daquele verdadeiro evento.

- Mas se você não foi responsável pela morte de Jennifer, quem foi essa pessoa?

- O mesmo homem que tentou matar Ramiro. O mesmo homem que fornecia drogas a Jennifer para mantê-la dopada e sob seu comando.

- Como sabem que é a mesma pessoa?

Sérgio sorriu abertamente, o riso fácil e sedutor que conquistou tantas fãs há dez anos.

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