Capítulo 1: Prelúdio

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Analepse/Flashback: 10 anos atrás, num vilarejo ignoto

Onze horas e 23 minutos da noite, num clima frio, soturno e dionisíaco.

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Na penumbra de qualquer noite, as estrelas presenciavam o lado mais injusto e cruel da natureza. Naquela noite escura, a única luz que poderia ser vista era a luz de labaredas prementes, que se alastravam numa velocidade avançadíssima, eliminando tudo aquilo que conseguiam consumir. 

O clima era sombrio e, apesar das chamas ardentes, o frio agreste não desapareceu completamente. A região que era outrora uma vila cheia de vida humana e vegetal, era agora um monte de cinzas, perdidas eternamente nas entranhas do abismo infindavelmente nevoento. 

Não dava para saber no instante quem ou o quê tinha causado o incêndio. Provavelmente foi um incêndio florestal, sem intervenção humana por detrás do desastre. Um incêndio que começou numa floresta que, numa questão de minutos, alcançou aquela infortunada vila, arrasando tudo, incluindo os pobres e azarados habitantes.

Contudo, havia alguém fugindo daquele orco horrendo, havia uma única pessoa, um jovem, a correr desesperadamente da ameaça ígnea e selvagem, para não sofrer o mesmo fadário que os habitantes da vila sofreram desagradavelmente. Esse jovem aparentava ser um pré-adolescente de 12 anos, que simplesmente não parava de correr do incêndio que estava logo atrás dele. O garoto era mulato, estava alagado de suor, e, curiosamente, tinha os olhos vendados por uma venda preta, o que era algo bastante estranho e até perigoso, já que ele poderia tropeçar em algo no chão, e se isso acontecesse, ele já poderia dizer adeus à sua vida.

O suor não parava de escorrer pelo rosto do rapaz, a respiração anelante, as dores latejantes nos pés, as pontadas constantes na barriga, o desconforto nas pernas e no diafragma, todas essas sensações amontoadas deixavam o rapaz num estado de pânico, de queixume e de stress contínuo. Ele estava a correr como se não houvesse amanhã, como se aquele dia fosse o seu último, e parecia que isso não estava muito longe da verdade.

O jovem, infelizmente, caiu de frente no chão, não porque ele tropeçou, mas sim por uma grande explosão que houve no meio do incêndio. A partir dessa explosão, uma pequena onda de choque foi gerada, e ela foi suficientemente forte para atordoar o rapaz, levando-o brutalmente ao chão sequioso e árido. Estando em desequilíbrio, o jovem não tinha outra escolha senão cair com a cara no chão, quase a engolir terra devido à queda repentina.

Segundos depois, o jovem tentou cerrar os punhos, aglomerando terra nas mãos enquanto lamuriava em um tom de voz baixo. 

Mãe, pai, irmãos, amigos... Todos. Eu peço perdão, eu sou um grande inútil. Eu sou uma besta. Uma criatura soez, imprestável e indecorosa. Eu não escolhi nascer desta forma, eu não escolhi ser cego... EU NÃO QUERIA CAUSAR ESTE INCÊNDIO. POR FAVOR, PERDOEM-ME!! — berrou o jovem, o mais alto que podia, como se alguém pudesse ouvir a sua mágoa e o seu pranto, como se ele quisesse que alguém estivesse ali para o ajudar, para o remover daquele sofrimento imensurável e do pandemónio flamejante que se aproximava dele paulatinamente. 

Já era tarde demais. Não valia mais a pena choramingar e ranger os dentes pelas gafes que tinha cometido. Ninguém iria voltar dos mortos e perdoar o rapaz por iniciar um incêndio sem querer. A cegueira inata do menino custou a vida de todos os habitantes da sua vila, incluindo as dos seus pais e amigos. O pesar, a angústia e a culpa eram imensas, tão grandes que o próprio rapaz desejou que algum assassino aparecesse naquele exato local, para o exterminar, poupando-lhe assim de um calvário prolongado. 

O Destino das Aves RebeldesOnde histórias criam vida. Descubra agora