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Tudo a respeito do estranho irradiava graça sensual e naturalidade. Grão- Feérico, sem dúvida. Os curtos cabelos pretos reluziam como as penas de um corvo, destacando a pele clara e os olhos azuis, tão profundos que pareciam violeta mesmo à luz da fogueira. Eles brilharam com interesse enquanto o estranho me olhava.
Por um momento, não dissemos nada. Obrigada não parecia dar conta do que ele fizera por mim, mas algo a respeito do modo como o Grão-Feérico ficava de pé, totalmente imóvel, a noite parecendo se aproximar mais dele, me fez hesitar ao falar... me fez querer correr na direção oposta.
Ele também não estava de máscara. Era de outra corte, então.
Um meio sorriso surgiu, brincalhão, em seus lábios sensuais.
- O que uma mulher mortal faz aqui, na Noite da Fogueira? - A voz do feérico foi como o ronronado de um amante, me fazendo estremecer, acariciando cada músculo e osso e nervo.
Dei um passo atrás.
- Minhas amigas me trouxeram.
O rufar dos tambores estava se intensificando, chegando a um clímax que eu não entendia. Fazia tanto tempo desde que vira um rosto exposto que parecesse vagamente humano. As roupas dele - todas pretas, todas requintadas - eram justas o bastante para que eu visse o quanto parecia magnífico. Como se tivesse sido moldado da própria noite.

- E quem são suas amigas? - Ele sorria para mim, como um predador avaliando a presa.
- Duas moças - menti de novo.
- Os nomes delas? - Ele deu mais um passo, enfiando as mãos nos bolsos. Recuei um pouco mais e fiquei de boca fechada. Será que tinha trocado três monstros por algo muito pior?
Quando ficou evidente que eu não responderia, ele riu.
- De nada - disse o feérico. - Por ter salvado você.
Fiquei com raiva de sua arrogância, mas recuei outro passo. Estava perto o
bastante da fogueira, daquela pequena caverna na qual os feéricos se reuniam, para chegar lá se corresse. Talvez alguém sentisse pena de mim, talvez Lucien ou Alis estivessem ali.
- É estranho que uma mortal seja amiga de duas feéricas - ponderou ele, e começou a me circundar. Eu podia ter jurado que gavinhas da noite estrelada formaram um rastro atrás dele. - Humanos não costumam morrer de medo de nós? E você não deveria, aliás, ficar do seu lado da muralha?
Eu estava morrendo de medo dele, mas não deixaria que soubesse.
- Eu as conheço minha vida inteira. Jamais tive nada a temer delas. O feérico parou de circundar para me avaliar. Ele agora estava entre mim e a fogueira... e minha rota de fuga.
- No entanto, trouxeram você para o Grande Rito e a abandonaram.
- Elas foram buscar bebidas - falei, e seu sorriso se ampliou. O que quer que eu tivesse dito, me delatou. Eu vi os criados levando a comida, mas... talvez não estivesse ali.
Ele sorriu para mim por mais um segundo. Eu jamais vira alguém tão lindo - e nunca sentira tanto alarmes de aviso na cabeça por causa disso.
- Creio que ainda falta muito tempo para a hora das bebidas - disse ele, se aproximando mais. - Pode levar um tempo para que elas voltem. Posso acompanhá-la para algum lugar enquanto isso? - Ele tirou a mão do bolso para oferecer o braço.
Tinha conseguido afugentar aqueles feéricos sem erguer um dedo.
- Não - respondi, a língua enrolada e pesada.
O feérico indicou a depressão, os tambores, com a mão.
- Aproveite o Rito, então. Tente ficar longe de problemas. - Seus olhos
brilharam com a sugestão de que ficar longe de problemas significava ficar muito, muito longe dele. Mas eu tinha tantas perguntas e, embora pudesse ter sido o maior risco que eu já assumira, perguntei:
- Então você não faz parte da Corte Primaveril?
Ele voltou-se para mim, cada movimento exótico e entrelaçado com um poder letal, mas fiquei parada conforme ele me dava um sorriso preguiçoso.

- Pareço ser parte da Corte Primaveril? - As palavras estavam salpicadas da arrogância que apenas um imortal poderia alcançar. Ele riu baixo. - Não, não sou parte da nobre Corte Primaveril. E sou feliz por isso. - Ele indicou o rosto, no qual uma máscara poderia estar.
Eu deveria ter ido embora, ter fechado a boca.
- Por que está aqui, então?
Os olhos incríveis do homem pareceram brilhar... com um toque tão mortal que recuei um passo.
- Porque todos os monstros foram libertados de suas jaulas esta noite, não importa a que país pertençam. Então, posso perambular por onde quiser até o alvorecer.
Mais charadas e perguntas a serem respondidas.
- Aproveite o Rito - repeti, o mais inexpressivamente possível.
Corri de volta ao vale, ciente demais do fato de que estava dando as costas a
ele. Eu estava feliz por me perder na multidão que seguia pela trilha até a caverna, ainda esperando que chegasse o momento, qualquer que fosse ele.
Quando parei de tremer, olhei em volta, para os feéricos reunidos. A maioria deles ainda usava máscaras, mas havia alguns, como aquele estranho letal e aqueles três feéricos horríveis, que não usavam máscara alguma. Eram feéricos sem lealdade ou membros de outras cortes. Eu não conseguia distinguir. Enquanto avaliava a multidão, meus olhos encontraram aqueles de um feérico mascarado do outro lado da trilha. Um era vermelho e brilhava tão forte quanto seus cabelos ruivos. O outro era... de metal. Pisquei no mesmo momento que ele, e depois seus olhos se arregalaram. Ele sumiu, e, um segundo depois, alguém agarrou meu cotovelo e me puxou para fora da multidão.
- Perdeu a noção? - gritou Lucien, por cima dos tambores. Seu rosto estava pálido como um fantasma. - O que está fazendo aqui?
Nenhum dos feéricos reparou que nós - estavam todos encarando a trilha intensamente - estávamos longe da caverna.
- Eu queria... - comecei, mas Lucien xingou violentamente.
- Idiota! - gritou ele para mim, e depois olhou para trás, para onde os outros feéricos encaravam. - Tola humana inútil. - Sem mais uma palavra, ele me jogou por cima do ombro, como se eu fosse um saco de batatas.
Apesar de eu me debater, e de meus gritos de protesto, apesar das exigências de que ele pegasse minha égua, Lucien segurou firme, e, quando me dei o trabalho de erguer o olhar, reparei que ele estava correndo - rápido. Mais rápido que qualquer coisa deveria ser capaz de se mover. Aquilo me deixou tão enjoada que fechei os olhos, e não parei até o ar ficar mais frio e mais calmo, e os tambores soarem distantes.
Lucien quase me jogou no chão do corredor da mansão, e, quando me equilibrei, vi seu rosto, tão pálido quanto antes.

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