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Na tarde seguinte, estava deitada de costas na grama, aproveitando o calor do sol filtrado pela folhagem das árvores, reparando como poderia incorporá-lo a minha próxima pintura. Lucien, alegando que tinha negócios desagradáveis de emissário a tratar, deixou a mim e Tamlin com nossos problemas, e o Grão- Senhor tinha me levado para outro lugar lindo em sua floresta encantada.
Mas não havia encantamentos ali; nenhum lago de brilho de estrelas, nenhuma cachoeira de arco-íris. Era apenas uma ravina gramada, guardada por um salgueiro-chorão e atravessada por um riacho cristalino. Ficamos deitados em um silêncio confortável, e olhei para Tamlin, que cochilava ao meu lado. Os cabelos dourados e a máscara brilhavam forte contra o tapete de cor esmeralda. O arco delicado das orelhas pontudas de Tamlin me fez hesitar. Era um lembrete permanente do quanto éramos diferentes. O que mais seria diferente? Eu queria estender a mão e retirar sua máscara; ver o rosto de Tamlin por um momento. Ele parecia acostumado com a máscara depois de tantos anos com ela presa ali. Mas eu não achava que teria durado tanto sem ter ficado louca... sem sentir o vento e a chuva no rosto. Tamlin abriu um olho e deu um sorriso preguiçoso para mim.
— O canto daquele salgueiro sempre me faz dormir.
— O que do quê? — falei, me apoiando nos cotovelos para olhar a árvore acima de nós.
Tamlin apontou para o salgueiro. Os galhos suspiravam conforme se moviam ao vento.

— Ele canta.
— Imagino que cante quintilhas obscenas de campo de batalha também?
Ele sorriu e quase que se sentou, virando-se para me olhar.
— Você é humana — declarou Tamlin, e revirei os olhos. — Seus sentidos
ainda estão isolados de tudo.
Fizuma careta.
— Só mais uma de minhas muitas falhas. — Mas a palavra falhas deixara, por
algum motivo, de causar mágoas.
Tamlin tirou uma folha de grama de meu cabelo. Calor irradiou de meu rosto quando seus dedos roçaram minha bochecha.
— Eu poderia fazer com que você visse — disse ele. — Os dedos de Tamlin se demoraram na ponta de minha trança, enroscando o cacho de cabelo. — Visse meu mundo, ouvisse, sentisse o cheiro. — Minha respiração ficou rápida quando ele se sentou. — Provasse. — Os olhos dele se voltaram para o hematoma que sumia em meu pescoço.
— Como? — perguntei, e o calor floresceu em meu corpo quando Tamlin se agachou na minha frente.
— Todo dom tem um preço. — Franzi a testa, e ele sorriu. — Um beijo.
— De jeito nenhum! — Mas minha pulsação acelerou, e precisei fechar as mãos na grama para evitar tocá-lo. — Não acha que fico em desvantagem por não poder ver tudo isso?
— Sou um Grão-Feérico, não damos nada sem ganhar algo com isso.
Para minha surpresa, falei:
— Tudo bem.
Ele piscou, provavelmente esperando que eu relutasse um pouco mais.
Escondi o sorriso e me sentei para encará-lo, nossos joelhos se tocaram quando nos ajoelhamos na grama. Umedeci os lábios, meu coração batia tão rápido que parecia abrigar um beija-flor no peito.
— Feche os olhos — disse Tamlin, e obedeci, os dedos se fechando na grama. Os pássaros cantaram, e os galhos do salgueiro suspiraram. A grama estalou quando Tamlin esticou o corpo, ainda de joelhos. Eu me preparei quando ele beijou uma de minhas pálpebras, e depois, a outra. Tamlin se afastou, e fiquei sem fôlego, o toque de sua boca se detinha em minha pele.
O canto dos pássaros se tornou uma orquestra; uma sinfonia de fofoca e alegria. Eu jamais ouvira tantas camadas de música, jamais ouvira as variações e os temas que se entrelaçavam aos arpejos deles. E, além do canto dos pássaros, havia uma melodia etérea — uma mulher, melancólica e exausta... o salgueiro. Arquejando, abri os olhos.
O mundo tinha se tornado mais rico, mais claro. O riacho era um arco-íris quase invisível de água que fluía sobre pedras, tão convidativamente suave quanto seda. As árvores estavam envoltas em um brilho leve, que irradiava do

centro delas e dançava pelas bordas das folhas. Não havia cheiro metálico pungente; não, o cheiro de magia tinha se tornado como o de jasmim, como lilás, como rosas. Eu jamais conseguiria pintar aquilo, a riqueza, a sensação... Talvez frações dela, mas não a coisa toda.
Magia... tudo era magia, e partia meu coração.
Olhei para Tamlin, e meu coração se partiu de vez.
Era Tamlin, mas não era. Na verdade, era o Tamlin com quem eu tinha sonhado. Sua pele reluzia com um brilho dourado, e, ao redor de sua cabeça, um círculo de luz de sol resplandecia. E os olhos de Tamlin...
Não eram apenas verdes e dourados, mas de todos os tons e variações imagináveis, como se cada folha na floresta tivesse escorrido e formado um único tom. Aquele era um Grão-Senhor de Prythian; devastadoramente lindo, cativante, poderoso além do que se poderia acreditar.
Meu fôlego ficou preso quando toquei os contornos de sua máscara. O metal frio machucou as pontas de meus dedos, e as esmeraldas escorregaram contra minha pele calejada. Ergui a outra mão e cuidadosamente segurei cada lado da máscara. Puxei devagar.
Ela não se moveu.
Tamlin começou a sorrir quando puxei de novo, e pisquei, abaixando as mãos. Instantaneamente, o Tamlin dourado e brilhante sumiu, e aquele que eu conhecia voltou. Ainda conseguia ouvir o canto do salgueiro e dos pássaros, mas...
— Por que não consigo mais ver você?
— Porque coloquei o encantamento de volta.
— Encantamento para quê?
— Para parecer normal. Ou tão normal quanto posso parecer com esta porcaria — acrescentou ele, indicando a máscara. — Ser um Grão-Senhor, mesmo um com... poderes limitados, traz marcas físicas também. Por isso não consegui esconder o que eu estava me tomando de meus irmãos, de ninguém. Assim é mais fácil me misturar.
— Mas a máscara não pode mesmo sair... quero dizer, tem certeza de que ninguém sabe como consertar o que a magia fez naquela noite, mesmo alguém de outra corte? — Não sei por que a máscara me incomodava tanto. Eu não precisava ver o rosto dele por completo para conhecer Tamlin.
— Desculpe desapontá-la.
— Eu só... só quero saber como você é — perguntei a mim mesma quando eu me tornara tão superficial.
— Como acha que sou?
Inclinei a cabeça para o lado.
— Um nariz marcante e reto — falei, me inspirando no que certa vez tinha tentado pintar. — Maçãs do rosto altas, que destacam seus olhos. Sobrancelhas levemente... levemente arqueadas — terminei, corando. Tamlin estava sorrindo

tanto que quase vi todos os seus dentes, e aquelas presas não estavam à vista. Tentei pensar em uma desculpa por ser tão direta, mas um bocejo me escapou ao sentir um peso repentino nos olhos.
— E quanto a sua parte do acordo?
— O quê?
Tamlin se aproximou, e seu sorriso foi ficando malicioso. — E quanto a meu beijo?
Segurei os dedos dele.
— Aqui — falei, e choquei minha boca contra o dorso de sua mão. —Aqui está seu beijo.
Tamlin rugiu uma gargalhada, mas o mundo virou um borrão, me acalentando. O salgueiro pedia que eu me deitasse, e obedeci. De longe, ouvi Tamlin xingar.
— Feyre?
Dormir. Eu queria dormir. E não havia lugar melhor para dormir que aquele ali, ouvindo o salgueiro e os pássaros e o riacho. Eu me enrosquei de lado, usando o braço como travesseiro.
— Eu deveria levar você para casa — murmurou Tamlin, mas não se moveu para me colocar de pé. Em vez disso, senti um leve estampido na terra, e o cheiro de chuva de primavera e de grama fresca que exalava dele preencheu meu nariz conforme Tamlin se deitava ao meu lado. Meu corpo formigou de prazer quando ele acariciou meu cabelo.
Aquele era um sonho muito bom. Jamais dormira tão maravilhosamente bem antes. Tão quente, aninhada ao lado dele. Calma. Ecoando baixinho para meu mundo de sono, Tamlin falou de novo.
— Você é exatamente como sonhei que seria também — sussurrou ele, o hálito acariciando minha orelha, e, depois, a escuridão engoliu tudo.

Corce de espinhos e rosas Onde histórias criam vida. Descubra agora