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O baile foi como um borrão de valsa e ostentação, com aristocratas cheios de joias, com vinho e brindes em minha honra. Fiquei ao lado de Nestha, porque ela parecia fazer um bom trabalho espantando os pretendentes curiosos demais na busca de detalhes sobre minha fortuna. Mas tentei sorrir, pelo menos por Elain, que passeava pelo salão, cumprimentando os convidados, e dançava com cada importante filho destes.
Mas continuei pensando no que Nestha tinha dito; sobre salvar Tamlin.
Eu sabia que algo estava errado. Sabia que ele estava com problemas... não apenas com a praga em Prythian; também sabia que as forças que se reuniam para destruí-lo eram letais, no entanto... No entanto, eu parara de procurar respostas, parara de lutar contra aquilo, feliz —feliz de um jeito tão egoísta — por poder descansar aquela parte de mim que sobrevivia hora após hora. Permitirá que Tamlin me mandasse para casa. Não tentara com mais afinco entender as informações que tinha conseguido sobre a praga ou sobre Amarantha; não tentara salvar Tamlin. Nem mesmo dissera a ele que o amava. E Lucien... Lucien também se dera conta disso e demonstrara, com as palavras amargas em meu último dia, seu desapontamento.
Duas da manhã, e a festa ainda não dava sinais de acabar. Meu pai fazia companhia a diversos outros mercadores e aristocratas aos quais eu tinha sido apresentada, mas cujos nomes tinha esquecido imediatamente. Elain ria em uma

roda de lindos amigos, corada e brilhante. Nestha se retirara em silêncio à meia- noite, e não me dei o trabalho de me despedir quando finalmente subi.
Na tarde seguinte, com olhos vermelhos de sono e em silêncio, todos nos reunimos à mesa para almoçar. Agradeci minha irmã e meu pai pela festa, e fugi das perguntas de meu pai sobre se o filho de algum dos amigos tinha me chamado atenção.
O calor do verão havia chegado, e apoiei o queixo no punho enquanto me abanava. Dormira muito mal no calor da noite anterior. Nunca estava quente ou frio demais na mansão de Tamlin.
— Estou pensando em comprar a propriedade dos Beddor — dizia meu pai a Elain, que era a única de nós que prestava atenção nele. — Ouvi um boato de que vai ser colocada à venda em breve, pois ninguém da família sobreviveu, e seria um bom investimento. Talvez uma de vocês possa construir uma casa nela quando for o momento adequado.
Elain assentiu com interesse, mas pisquei.
— O que aconteceu com os Beddor?
— Ah, foi terrível — comentou Elain. — A casa deles queimou, e todos morreram. Bem, não conseguiram encontrar o corpo de Clare, mas... — Ela abaixou o rosto para o prato. — Aconteceu na calada da noite, a família, os criados, todos morreram. No dia antes de você voltar, na verdade.
— Clare Beddor — falei devagar.
— Nossa amiga, lembra? — perguntou Elain.
Assenti, sentindo os olhos de Nestha sobre mim.
Não, não podia ser. Tinha de ser coincidência, tinha de ser coincidência, se nã o...
Eu dera aquele nome a Rhysand.
E ele não se esquecera dele.
Meu estômago se revirou, e lutei contra a náusea que me assolava.
— Feyre?— perguntou meu pai.
Levei a mão trêmula aos olhos, inspirando. O que tinha acontecido? Não
apenas na casa dos Beddor, mas em casa, em Prythian? — Feyre — repetiu meu pai, e Nestha sibilou para ele. — Quieto.
Lutei contra a culpa, o nojo e o terror. Precisava de respostas; de saber se tinha sido coincidência, ou se eu ainda conseguiria salvar Clare. E, se algo havia acontecido ali, no mundo mortal, então a Corte Primaveril... Então, aquelas criaturas das quais Tamlin tinha tanto medo... A praga que tinha infectado a magia, suas terras...
Feéricos. Eles haviam atravessado a muralha e não deixaram vestígios. Abaixei a mão, olhei para meu pai e, depois, para Nestha.

— Ouça com atenção — disse a ela, engolindo em seco. — Tudo o que contei a você deve permanecer em segredo. Não me siga. Não diga meu nome a ninguém.
— Do que está falando, Feyre? — Meu pai me encarou boquiaberto do outro lado da mesa. Elain olhou de mim para ele hesitante, mexendo-se na cadeira.
Mas Nestha continuou me olhando. Sem piscar.
— Acho que algo muito ruim pode estar acontecendo em Prythian — falei baixinho. Nunca soube que sinais de aviso Tamlin tinha acrescentado aos encantamentos sobre minha família para incitá-la a fugir, mas não arriscaria depender apenas deles. Não quando Clare tinha sido levada, a família assassinada... por minha culpa.
— Prythian! — dispararam meu pai e Elain. Mas Nestha estendeu a mão para silenciá-los.
Continue i.
— Se não forem embora, então contratem guardas, contratem batedores para observar a muralha, a floresta. A aldeia também. — Levantei da cadeira. — Ao primeiro sinal de perigo, ao primeiro boato sobre a muralha ter sido ultrapassada ou sequer sobre algo estranho, embarquem num navio e partam. Velejem para longe, para o mais ao sul que conseguirem, para algum lugar em que os feéricos jamais desejariam pisar.
Conforme eu falava, levantei da cadeira. Meu pai e Elain começaram a piscar, como se alguma névoa se dissipasse de suas mentes... como se emergissem de um sono profundo. Nestha me seguiu para o corredor, escada acima.
— Os Beddor — disse ela, baixinho. — Era para sermos nós. Mas você deu um nome falso aqueles feéricos cruéis que ameaçaram seu Grão-Senhor. — Assenti. Conseguia ver os planos arquitetados em seus olhos. — Haverá uma inva sã o?
— Não sei. Não sei o que está acontecendo. Me contaram que existia um tipo de doença tornando seus poderes mais fracos ou descontrolados; uma praga na terra que danificara a segurança de suas fronteiras e que poderia matar pessoas se as atingisse com força o bastante. Eles... eles disseram que estava se alastrando de novo... se movendo. Até onde sei, não estava perto a ponto de prejudicar nossa terra. Mas, se a Corte Primaveril está prestes a cair, então a praga deve estar se aproximando, e Tamlin... Tamlin era um dos últimos bastiões que continha as outras cortes, as cortes letais. E acho que ele está em perigo.
Entrei no quarto e comecei a tirar o vestido. Minha irmã me ajudou e depois abriu o guarda-roupa para pegar uma túnica pesada e calça e botas. Vesti as roupas e trançava o cabelo de novo quando ela disse:
— Não precisamos de você aqui, Feyre. Não olhe para trás.
Calcei as botas e fui pegar as facas de caça que havia comprado discretamente enquanto estava ali.

Corce de espinhos e rosas Onde histórias criam vida. Descubra agora