Meus sentidos retornaram devagar, cada um mais doloroso que o outro. O som de água pingando a princípio; depois, o eco distante de passadas pesadas. Um gosto permanente de cobre envolvia minha boca: sangue. Acima do chiado do que julguei serem minhas narinas entupidas, o cheiro pungente de bolor e o fedor de mofo tornavam o ar úmido e frio. Palhas afiadas de feno espetavam minha bochecha. Minha língua tocou meu lábio cortado, e o movimento fez meu rosto arder. Encolhendo o corpo, abri os olhos, mas só consegui abrir um pouco — inchaço. O que vi pelos olhos, sem dúvida roxos, não ajudou muito meu humor.
Estava em uma cela de prisão. Minhas armas haviam sumido, e minha única fonte de luz vinha das tochas além da porta. Amarantha dissera que uma cela seria onde eu passaria meu tempo, mas mesmo enquanto me sentava — com a cabeça tão zonza que quase apaguei de novo —, meu coração acelerou. Estava em uma masmorra. Examinei os feixes de luz que entravam pelas fendas entre a porta e a parede, e, depois, toquei o rosto com cuidado.
Ele doía; doía mais que qualquer coisa que jamais tinha suportado. Contive um grito quando meus dedos roçaram o nariz e cascas de sangue caíram das narinas. Estava quebrado. Quebrado. Eu teria trincado os dentes caso meu maxilar não fosse uma confusão latejante de dor também.
Não podia entrar em pânico. Não, precisava segurar as lágrimas, precisava manter a concentração. Precisava avaliar os danos o melhor possível, e, então,descobrir o que fazer. Talvez pudesse usar minha camisa como atadura — talvez me dessem água em algum momento, para lavar os ferimentos. Tomando um fôlego curto demais, explorei o restante do rosto. Meu maxilar não estava quebrado e, embora meus olhos estivessem inchados e o lábio estivesse cortado, o pior dano ainda estava no nariz.
Dobrei os joelhos até a altura do peito, segurando-os com força enquanto controlava a respiração. Tinha violado uma das regras de Alis. Não tive escolha, no entanto. Ao ver Tamlin sentado ao lado de Amarantha...
Meu maxilar protestou, mas trinquei os dentes mesmo assim. A lua cheia... Era meia-lua quando saí da casa de meu pai. Por quanto tempo tinha ficado inconsciente lá embaixo? Eu não era tola para acreditar que qualquer intervalo de tempo me prepararia para a primeira tarefa de Amarantha.
Não me permiti imaginar o que ela havia planejado para mim. Me bastava saber que Amarantha esperava que eu morresse — que não restaria o suficiente de mim para que ela torturasse.
Segurei as pernas com mais força para evitar que as mãos tremessem. Em algum lugar — não muito longe —, gritos começaram. Um berro agudo, suplicante, intensificado com tons crescentes de gritos esganiçados que fizeram com que bile subisse ardendo até minha garganta. Talvez eu soasse da mesma forma quando enfrentasse a primeira tarefa de Amarantha.
Um chicote estalou, e os gritos aumentaram, sem parar a fim de tomar fôlego. Clare provavelmente gritara da mesma forma. Era como se eu mesma a tivesse torturado. O que pensara daquilo tudo, de todos aqueles feéricos desejando seu sangue e desgraça? Eu merecia aquilo — merecia qualquer que fosse a dor e o sofrimento —, ao menos pelo que ela havia suportado. Mas... mas eu consertaria as coisas. De alguma forma.
Devia ter cochilado em algum momento, porque acordei ao ouvir o ranger da porta da cela contra pedra. Esquecendo-me da dor insuportável no rosto, recuei para me abaixar nas sombras do canto mais próximo. Alguém entrou em minha cela e fechou a porta agilmente, deixando-a entreaberta.
— Feyre?
Tentei ficar de pé, mas minhas pernas tremeram tanto que eu não conseguia me mover.
— Lucien? — sussurrei, e o feno estalou quando ele se abaixou no chão diante de mim.
— Pelo Caldeirão, você está bem?
— Meu rosto...
Uma luz fraca acendeu ao lado de sua cabeça, e os olhos de Lucien ficaram visíveis, o de metal se semicerrou.
Lucien chiou.
— Perdeu a cabeça? O que está fazendo aqui?Lutei contra as lágrimas; eram inúteis mesmo.
— Voltei para a mansão... Alis me contou... me contou sobre a maldição, e não podia deixar que Amarantha...
— Você não deveria ter vindo, Feyre — interrompeu ele, em tom afiado. — Não era para você estar aqui. Não entende o que ele sacrificou para libertá-la? Como pôde ser tão tola?
— Bem, estou aqui agora! — falei, mais alto do que deveria. — Estou aqui, e não há nada que possa ser feito a respeito disso; então, não se dê o trabalho de falar sobre minha pele humana fraca e minha estupidez! Sei de tudo isso, e eu... — Queria cobrir o rosto com as mãos, mas doía demais. — Eu só... eu precisava dizer a ele que o amava. Para ver se não era tarde demais.
Lucien se sentou sobre os tornozelos.
— Então, sabe de tudo. — Consegui assentir sem apagar com a dor. Meu sofrimento devia ter transparecido, porque ele encolheu o corpo. — Bem, pelo menos não precisamos mais mentir para você. Vamos limpá-la um pouco.
— Acho que meu nariz está quebrado. Mas nada mais. — Enquanto miava, olhei ao redor de Lucien em busca de sinais de água ou de ataduras, e não encontrei nenhum. Devia ser magia então.
Lucien olhou por cima do ombro, verificando a porta.
— Os guardas estavam bêbados, mas seus substitutos vão chegar em breve — disse ele, e, depois, avaliou meu nariz. Eu me preparei quando permiti que Lucien tocasse com cuidado. Mesmo o roçar das pontas de seus dedos disparou lampejos de dor incandescente em mim. — Vou precisar colocar no lugar antes de poder curá-lo.
Contive o pânico ofuscante.
— Faça-o. Agora mesmo. — Antes que eu conseguisse mergulhar na covardia e dizer a Lucien que deixasse para lá. Ele hesitou. — Agora — ordenei, ofegante.
Rápido demais para que eu acompanhasse, os dedos de Lucien puxaram meu nariz. Dor percorreu meu corpo, e um estalo soou em meus ouvidos, em minha cabeça, antes que eu desmaiasse.
Quando recobrei os sentidos, consegui abrir os olhos completamente, e meu nariz — meu nariz estava desobstruído, e não latejava ou lançava dor agonizante por meu rosto. Lucien estava agachado sobre mim, franzindo a testa.
— Não pude curar por completo, ou saberiam que alguém a havia ajudado. Os hematomas estão aí, assim como um olho roxo horrível, mas... todo o inchaço sum iu.
— E meu nariz? — falei, sentindo-o antes que Lucien respondesse.
— Consertado, empinado e bonitinho como antes. — Lucien deu um risinho para mim. O gesto familiar me causou um aperto e uma dor no peito.
— Achei que ela tivesse levado a maior parte de seu poder — consegui dizer.
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Corce de espinhos e rosas
Romanceconta a história de Feyre, uma humana que vive na extrema pobreza e tem que se virar sozinha para sustentar suas duas irmãs e seu pai. O mundo em que ela vive é dividido entre humanos e seres mágicos chamados feéricos, considerados assassinos cruéis...