Ninguém, nem mesmo Lucien, foi consertar meu braço nos dias que se seguiram à vitória. A dor me sobrepujava ao ponto de eu gritar sempre que eu puxava o pedaço embutido de osso, e não tive outra opção a não ser ficar sentada ali, deixando que o ferimento corroesse minhas forças, tentando ao máximo não pensar no latejar constante que disparava lampejos de raios envenenados por meu corpo.
Mas pior que isso era o pânico crescente; pânico de que a ferida não tivesse estancado. Eu sabia o que queria dizer quando o sangue continuava fluindo. Ficava de olho na ferida, fosse por esperança de descobrir que o sangue estava coagulando, ou por terror por ver os primeiros sinais de infecção.
Não conseguia comer a comida podre que eles me davam. Vê-la me causava tanta náusea que um canto da cela agora fedia a vômito. Não ajudava o fato de eu ainda estar coberta de lama e de a masmorra estar eternamente numa temperatura congelante.
Eu estava sentada contra a parede mais afastada da cela, aproveitando o frio da pedra às costas. Acordei de um sono inquieto e percebi que ardia. Era um tipo de fogo que deixava tudo meio anuviado. O braço ferido pendia ao meu lado enquanto eu olhava inexpressivamente para a porta da cela. Ela pareceu se mover, as linhas oscilando.
O calor em meu rosto era algum tipo de resfriado leve — não uma febre causada pela infecção. Levei a mão ao peito, e lama seca se partiu em meu colo.Cada respiração era como engolir vidro quebrado. Não é uma febre. Não é uma febre. Não é uma febre.
Minhas pálpebras estavam pesadas, ardiam. Eu não podia dormir. Precisava me certificar de que a ferida não estava infeccionada, precisava... precisava...
A porta se moveu de verdade nesse momento — não, não a porta, mas a escuridão ao redor dela, que pareceu irradiar. Medo de verdade se embrulhou em meu estômago quando uma figura masculina se formou daquela escuridão, como se ele tivesse se esgueirado pelas fendas entre a porta e a muralha, pouco mais que uma sombra.
Rhysand tinha a forma totalmente corpórea agora, e os olhos violeta brilhavam à luz fraca. Ele sorriu devagar de onde estava, à porta.
— Que estado deplorável para a campeã de Tamlin.
— Vá para o inferno — disparei, mas as palavras não passaram de um chiado. Minha cabeça estava leve e pesada ao mesmo tempo. Se eu tentasse me levantar, cairia.
Ele chegou mais perto, com aquela graciosidade felina, e se agachou com facilidade diante de mim. Rhysand farejou, fazendo uma careta para o canto sujo de vômito. Tentei levar os pés até uma posição mais inclinada, para me afastar ou para chutar a cara de Rhysand, mas pareciam cheios de chumbo.
Rhy sand inclinou a cabeça. Sua pele pálida parecia irradiar luz de alabastro. Pisquei para afastar a névoa, mas nem mesmo consegui virar o rosto quando os dedos frios de Rhysand roçaram minha testa.
— O que diria Tamlin — murmurou ele — se soubesse que sua amada estava apodrecendo aqui embaixo, queimando de febre? Não que ele possa vir até aqui, não quando todos os seus movimentos são observados.
Mantive o braço oculto nas sombras. A última coisa de que precisava era que descobrissem o quanto eu estava fraca.
— Saia — falei, e meus olhos arderam quando as palavras queimaram minha garganta. Tinha dificuldades para engolir.
Rhysand ergueu uma sobrancelha.
— Venho oferecer ajuda, e você tem a audácia de me mandar sair?
— Vá embora — repeti. Meus olhos doíam tanto que era difícil mantê-los
abertos.
— Ganhei muito dinheiro por sua causa, sabe. Imaginei que deveria retribuir o favor.
Recostei a cabeça contra a parede. Tudo estava girando, girando como um pião, girando como... Contive a náusea.
— Deixe-me ver seu braço — disse ele, baixo demais.
Mantive o braço nas sombras, apenas porque era pesado demais para levantar.
— Deixe-me ver. — Um grunhido saiu de Rhysand. Sem esperar minha— Deixe-me ver. — Um grunhido saiu de Rhysand. Sem esperar minha reação, ele segurou meu cotovelo e forçou meu braço para a luz fraca da cela.
Mordi o lábio para evitar um grito; mordi com tanta força que tirei sangue quando rios de fogo explodiram dentro de mim, quando minha cabeça girou e todos os meus sentidos se reduziram ao pedaço de osso que se projetava de meu braço. Eles não podiam saber... não podiam saber o quanto estava ruim, porque, então, usariam isso contra mim.
Rhysand examinou o ferimento, e, depois, um sorriso surgiu nos seus lábios se nsua is.
— Ah, isso está maravilhosamente repulsivo. — Xinguei, e Rhysand riu. — Que palavras para uma dama.
— Saia — falei, chiando. Minha voz frágil era tão assustadora quanto o ferimento.
— Não quer que eu cure seu braço? — Seus dedos se fecharam em meu c otove lo.
— A que custo? — disparei de volta, mas mantive a cabeça encostada na parede, pois precisava de sua força úmida.
— Ah, isso. Viver entre feéricos ensinou a você alguns de nossos modos.
Eu me concentrei em sentir a mão boa sobre o joelho, me concentrei na lama
seca sob minhas unhas.
— Faço um acordo com você — disse Rhysand casualmente, e apoiou meu braço com cuidado. Quando o braço tocou o chão, fechei os olhos para me preparar contra aquela corrente de raios envenenados.
- Curo seu braço em troca de você. Durante duas semanas todo mês, duas semanas de minha escolha, viverá comigo na Corte Noturna. Começando depois dessa confusa barganha das três tarefas.
Meus olhos se arregalaram.
— Não. — Eu já fizera um acordo tolo.
— Não? — Rhysand apoiou as mãos nos joelhos e se inclinou para mais perto.
— Mesmo?
Tudo começava a dançar.
— Saia — sussurrei.
— Você recusaria minha oferta, e pelo quê? — Não respondi, e, então, ele
continuou. — Deve estar esperando um de seus amigos, Lucien, certo? Afinal de contas, ele a curou antes, não foi? Ah, não pareça tão inocente. O Attor e seus seguidores quebraram seu nariz. Então, a não ser que tenha algum tipo de magia sobre o qual não nos contou, não acho que ossos humanos se curem tão rapidamente assim. — Os olhos de Rhysand brilharam, e ele ficou de pé, caminhando de um lado para outro. — Do modo como vejo as coisas, Feyre, você tem duas opções. Aprimeira, e mais inteligente, seria aceitar minha oferta.
Cuspi aos pés dele, mas Rhysand continuou caminhando, me lançando apenas
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Corce de espinhos e rosas
Romanceconta a história de Feyre, uma humana que vive na extrema pobreza e tem que se virar sozinha para sustentar suas duas irmãs e seu pai. O mundo em que ela vive é dividido entre humanos e seres mágicos chamados feéricos, considerados assassinos cruéis...