Prólogo

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Fevereiro de 1872, ilha do príncipe Eduardo- Canadá

CHARLES MACKENZIE

   Com uma das minhas mãos, eu acariciava o cabelo castanho iluminado do garoto que estava deitado com a cabeça em meu ombro. Seus olhos estavam fechados, e eu encarava seu rosto angelical. A grama que acabara de ser cortada por nós, roçava em meus braços, causando uma leve sensação de ardência, e o sol passava por aqueles pequenos espaços entre as folhas da árvore que estávamos embaixo, atingindo meu rosto, mas nada disso importava quando eu estava com William Cadman, o mundo ao nosso redor perdia totalmente o sentido, e passávamos a existir apenas nós dois.

  Suas orbes azuis se abriram lentamente, e nossos olhares se cruzaram de modo intenso, como sempre acontecera com a gente. Tínhamos uma conexão surreal, mas em lados opostos, como o sol e a lua, ele era meu sol, meu brilho não haveria se ele não existisse.

── Estou indo para Charlottetown amanhã, a mamãe me pediu para pegar um terno para o baile na próxima semana── enquanto falava, se sentou devagar, com as costas apoiadas no tronco da árvore.

── Nem me fale desse baile, as coisas na minha casa estão uma bagunça, papai disse que é para eu começar a cortejar alguém daquele baile, de acordo com ele, uma moça de boa família ── acabei não contendo uma revirada de olhos diante da minha própria fala. Me sentei logo em seguida, cruzando minhas pernas sobre o gramado ── Mal sabe ele que eu sou vou para encontrar você ──

O garoto em minha frente sorriu, e o rubor se fazia presente em suas bochechas esbranquiçadas.

── Acho que deveríamos ser mais cuidadosos, lembra do que aconteceu na quarta-feira? ── as lembranças daquele dia fizeram um arrepio percorrer pelo meu corpo.

Estávamos na minha casa -mais especificamente no meu quarto-, não havia ninguém mais em casa, pelo menos era o que pensávamos. Nossas línguas trabalhavam em um batalha calorosa, podia sentir todo meu corpo queimando, mas aquele momento foi interrompido quando ouvimos a voz da minha irmã, e logo a porta sendo aberta, ela tinha os olhos minimamente arregalados, e a primeira reação do garoto foi sair do meu colo.

Não nos preocupamos tanto, a Jane sabia de nós dois, mas disse que poderia ser a mamãe, ou até mesmo o papai, o que assustou a gente.

── Você está certo, mas não pense que não vai dançar pelo menos uma música comigo naquele baile ── ele sabia que não tinha escolha, por mais que dissesse não, eu conseguiria convence-lo do contrário.

Apoiei minhas mãos na grama verdinha, e me estiquei para frente, deixando um breve selar por seus lábios, que logo evoluiu para um beijo calmo. Seus dedos pequenos se enroscavam no meu cabelo, e não pude deixar de sorrir entre o beijo.

Estava tudo tão perfeito, que eu estranhei as coisas estarem dando tão bem paraa mim. William e eu estávamos bem, e grande parte dos nossos dias eram dedicadas um ao outro. Nos víamos diariamente, e às vezes até mesmo quando nossas famílias jantavam juntas.

Poderia me acostumar com essa tranquilidade.

     Mas nossa alegria durou muito pouco. Quando nossos lábios se afastaram, e nossos olhos se abriram, a decepção veio. William estava assustado e com os olhos arregalados, e então me virei, encontrando meu pai bem ali, com um olhar de fúria e repreensão.

Eu oscilava o olhar entre o meu pai, e o menino em minha frente, que pareceu entrar em um transe, seu corpo estava paralisado. Me levantei rapidamente, e me aproximei do meu pai, que não aceitaria qualquer desculpa por aquele ocorrido.

── Pai, eu posso explicar, por favor ── eu estava quase desesperado, mas ele apenas negou, agarrando meu braço.

── Eu te criei tão bem, como pode me dar esse desgosto? Eu não criei um filho doente ── bradou bravo, com uma expressão de nojo.
── Vamos pra casa agora, não vai sair nunca mais, não quero que se encontrem, e não pense que os seus pais não vão ficar sabendo disso ── agora seu olhar era dirigido para o que se levantava da grama. Ele ia se aproximar, mas o meu pai não deixou.

Cartas para Andy Cadman [LGBTQIA+]Onde histórias criam vida. Descubra agora