Capítulo 15

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  Me peguei desejando Dorian, desejando seu calor e a segurança que seus braços proporcionam, desejando estar atirada no tapete de um quarto que aprendi a ser meu, ou jantando com um senhor do fogo crepuscular.
  Balancei a cabeça espanando tais pensamentos, especialmente quando as cinco sensações se achegaram.
  O quinteto estava em silêncio absoluto, Nik não estava entre eles então supus que Nika tinha cumprido a promessa de o arrancar daquela situação.
  Ainda bem, pois minha magia estava furiosa, quando eu a libertasse não haveria ninguém, nada, apenas eu e minha ânsia por morte.
  Gar deu um passo na minha direção. O observei por debaixo dos cílios.
  Acompanhei suas mãos indo até o cinto, em como ele desafivelou o objeto e o trouxe para suas mãos.
  Tremi, meus lábios ficaram escancarados e o meu medo pulsou de mim como as ondas do meu poder.
  O algoz pareceu notar, jogou a cabeça para trás e sorriu com escárnio.
  — Acha mesmo que eu iria me enfiar em uma vagabunda suja como você? Depois que o filho da puta do Dorian provavelmente já se enterrou aí nessa sua boceta profana centenas de vezes — disse ele, e os companheiros acompanharam sua risada ríspida, como se ele estivesse contando um piada de muito bom gosto.
  A mão do torturador tomou rumo até meu rosto, ondas de choque reverberaram minhas veias, e meu corpo sacudiu com solavancos bruscos.
  — Só para não se esquecer — justificou.
  Ele sacudiu o cinto de couro no ar, então desferiu um golpe bruto em minha coxa exposta, o arquejo de dor e ardência me queimaram a pele, eu gemi baixinho, e então outro golpe em minha barriga.
  Apertei as correntes em minhas mãos. A pressão da magia faz meus ossos estalarem e rangerem, mas eu a contive ali dentro, guardada, agora não era a hora, ainda não.
  Golpe após golpe, eu os aguentei, haviam tantos vergões e ardência em minha pele, lágrimas de dor foram inevitáveis.
  Gar uivou, um som profano imerso em deleite e loucura, eu observei sem erguer o rosto, suor escorria pela testa, os olhos verdes estavam com as pupilas dilatadas, olhei para baixo, para as calças do sádico e não me surpreendi ao ver volume empurrando o tecido. O desgraçado sentia prazer em causar dor.
  A mão dele ergueu-se em direção a mim. Em um estado automático o meu corpo se retraiu, o maldito percebeu e repuxou os lábios em um risinho de maior satisfação.
  Os dedos dele,  longos e finos, apartam a cortina de cabelo da frente de meu rosto, quando as pontas dos dedos tocam minha bochecha os meus pés se contraem, aguardando a onda de eletricidade agitar cada nervo dentro de mim, porém nada aconteceu, Gar apenas limpou as lágrimas da minha bochecha e a levou até os lábios.
  — Eu adoro quando vocês gemem e choram — falou.
  Lancei saliva em seu rosto, com toda a aversão e ódio dentro de mim.
  Ele desferiu um tapa, um que não chegou a doer muito, então ele fez de novo e de novo.
  Arfando, o homem contraiu o semblante para meu rosto ardido e dolorido. Então seus olhos subiram para as correntes e meu coração travou por alguns segundos.
  Os olhos verdes cruéis analisaram toda a extensão dos grilhões.
  — Você é patético! — berrei, somente para atrair a atenção dele até mim novamente, rezando para ter feito a linha de entendimento em seus olhos de partir.
  As narinas do sádico dilataram, ele me fitou com uma fúria fervorosa e seu rosto se retesou em desgosto e ira.
  As mãos dele avançaram, apalpando minha barriga exposta, subindo lentamente até estarem ao redor dos meus seios.
  — Gar — alguém, o ruivo com cara de ogro, advertiu. Eu havia até me esquecido das outras presenças ali, Gar tinha esse poder de me tirar da realidade e me jogar em um poço de desespero solitário onde tudo era dor e medo.
  — Eu não vou me enterrar na vadia — disse Gar entre os dentes.
  As mãos percorriam meus seios por cima do tecido fino da blusa, outrora bonita e elegante. Ele afastou o tecido e as mãos suadas agarram meus seios, os apertando com força suficiente para minha garganta oscilar com um gemido.
  Lágrimas quentes saltaram dos meus olhos, minha respiração se tornou rápida e difícil.
  As mãos do agressor não se restringiram ao meus peitos, elas subiram até se fecharem ao redor do meu pescoço.
  Ele apertou, e apertou.
  Eu não podia respirar, não podia puxar ar. Senti dentro de mim os pulmões reclamado, minhas pernas se moveram, apertei as correntes vinculadas em meus pulsos até minhas juntas ficarem frias.
  Meus pulmões ardiam, iam explodir, a força de Gar era sobrehumana, ele ia me matar, eu ia morrer naquela cela estúpida.
  — Chega, não queremos ela morta — o atarracado com o charuto disse, e na mesma hora as mãos de Gar se afastaram.
  O ar me inundou, uma mistura dolorosa conjudada com a tosse e dor.
  O rosto de pelos espessos do curandeiro nunca me pareceu tão lindo ao se aproximar para levar toda aquela dor para longe, mas Gar se meteu entre nós e disse me olhando por sobre o ombro ossudo:
  — Deixa a puta assim, pra ela aprender — ninguém foi contra sua ordem, simplesmente se foram me largando ali, sozinha, pendida pelos pulso, ferida e com os seios expostos.
  A vibração dos cinco estava distante, e eu pude chorar, pude chorar pela dor em minha carne, pela rachadura em minha alma, pela saudade em meu peito, pelo medo gélido em minhas veias, eu pude chorar e soluçar para chorar de novo, não haviam testemunhas, apenas eu e as paredes insípidas.
 
  Minha magia agiu antes de meu comando, soprando para fora de mim aquela pressão abaixo dos ossos.
  O mundo girou, ficou impreciso e agitado, se movendo com um sentido errado. Primeiro as correntes dissolveram de meus pulsos, viraram pó, a porta da cela se desprendeu das dobradiças, vibrando e vibrando com fervor até bater nas paredes do corredor em um estrondo poderoso e as paredes do lugar onde eu estava foram sacudidas violentamente, rachaduras se desenharam nas paredes e pó encheu o lugar.
  Não consegui conter, essa energia dentro de mim tinha mais raiva e ódio do que eu própria.
  Cambaleei alguns metros até tombar para o lado contra a parede tingida de rubro.
  As dores das chicoteadas da cinta me fizeram gemer, não me dei por vencida, eu tinha que ser forte, tinha que ser forte por mim mesma.
  Algumas das minhas unhas racharam quando as cravei na parede lisa impulsionando meu corpo para cima, firmei meus pés no chão e soltei um som gutural antes de me mover novamente, ajustei minha blusa em meu busto, sentindo nojo ao lembrar-me das mãos sadicas de Gar em mim.
  Ultrapassei a porta de metal, que havia de algum modo atravessado a parede desencadeando rachaduras com aspectos de raios em toda a extensão do lugar.
  Encontrei o brutamontes virando a esquina do corredor da direita, provavelmente indo conferir a origem do estrondo que provoquei.
  Os olhos dele analisaram tudo muito rápido, minhas mãos livres, as rachaduras por toda a parte e meu olhar furioso. Ele hesitou, olhou para trás, talvez aguardando ajuda de um dos companheiros.
  A tensão cresceu entre nós, minhas mãos se moveram devagar, contrai os dedos e toda uma energia disparou de dentro de mim, invisível, fazendo o ambiente oscilar, o chã  tremer e se rasgar em uma fenda longa e reta. Ouvi o concreto se romper e então o grito de terror do curandeiro ao ser tragado pela fenda.
  Estreitei-me pelos cantos intactos do chão, observando lá embaixo o corpo enorme e gordo desacordado.
  O segundo deles veio até mim, o olhar imprecisos e entediado de sono, mas o característico charuto aceso entre os lábios.
  A energia invisível disparou, transformando o ar em correntezas de vibração poderosas. Meus sequestrador bateu contra a parede ao ser lançado pelos ares, o som de algum osso se quebrando fez com que eu crispasse os lábios.
  Continuei a cambalear.
  A magia em mim estava em um estado de esgotamento, não havia reunido muito dela o que parecia absolutamente impossível de fazer somente de um dia para o outro.
  As escadas estavam exatamente onde a orientação de Nika disse que estaria. Soltei um suspiro de alívio.
  Subir os degraus foi uma luta, pois minhas coxas queimaram e fraquejaram, porém logo me vi em uma quartinho cinza fosco, vazio, não havia ninguém no lugar.
  Olhei ao redor, a janela revelava um vilarejo pequeno e humilde com casinhas de tetos de palha e ruas estreitas de barro, pela altitude estávamos em uma montanha.
  Uma bolsa largada no chão chamou minha atenção pelo brilho metálico forte, abaixei-me e apanhei uma pequena faca de caça.
  — ...vai ver o que tem lá fora, vou ver onde estão aqueles dois idiotas — a voz do ruivo ogro, ele mal fechou a porta atrás de si, esfregando o rosto gordo com a mão rosa e fofa, quando me lancei contra ele, a faca rasgou a pele de seu pescoço.
  O ruivo só teve tempo de arregalar os olhos para mim e me empurrar com tanta força que eu bati contra a parede do outro lado, soltando um palavrão por entre os dentes cerrados.
  Sangue deslizava pelas minhas mãos, ergui-me a tempo de ver o homem deslizar para o chão, liberando sons guturais úmidos, morrendo.
  Engoli em seco.
  Apanhei a faca ainda cravada na pele do sequestrador, limpei o objeto na saia e, lentamente, girei a maçaneta.
  Gar já estava preparado, notei, quando se lançou contra mim me desarmando com uma onda de eletricidade potente.
  Gemi caindo de joelhos diante do homem, a mão dele se enterrou em meu cabelo e ele os usou de suporte para me puxar pelo chão.
  — Matou os três vadia, me poupou o trabalho — falou, com um tom de divertimento. Afinal ele sabia, sabia que as malditas correntes eram as erradas, ele me usou, talvez para conseguir a recompensa por mim sozinho.
  As mãos dele se moveram com força puxando tão fortemente meu couro cabeludo que soltei um bramido baixo, fui lançada em um tapete áspero.
  Gar me olhou friamente, os olhos se demorando em minhas mãos ensanguentadas.
  O corpo dele se derramou sobre o meu.
  Ergui as minhas mãos pronta para o subjulgar com minha magia do caos, mas a eletricidade dele queimou-me com tanta intensidade que me vi convulsionando, os músculos rígidos e doloridos.
  Não o senti arrancando minha blusa, e nem consegui captar quando exatamente ele removeu o cinto da própria calça.
  — Eu vi seu medo sua vadia, medo de eu querer possuir você — murmurou quando eu enfim parei de convulsionar.
  Aquela onda de choque profana não me intimidou, só fez alimentar aquele poço de ódio que já estava se enchendo há tanto tempo que não sabia exatamente datar.
  O odioso homem puxou o pau para fora das calças, guinchos saiam de seus lábios entreabertos, os dedos dele permearam pela minha calcinha, encima do meu centro.
  Coloquei ambas as mãos no rosto dele, escutei o gemido dele de surpresa e arrependimento, arrependimento por não ter detectado minhas intenções.
  Cada gota de magia dentro de mim dançava em minha carne, tocando minha pele, eu a empurrei para fora, tudo, não deixei nem um fio.
  O berro de dor machucou meus tímpanos, o som dos móveis, paredes, teto e soalho de tornando escombros e massas de materiais disformes veio em segundo plano. Tudo se tornou ruínas, e então o ar vibrou fragmentando cada objeto, cada escombro em poeira, incluindo o corpo de Gar.
  Os ossos vibraram sob minhas mãos, pude sentir cada um deles se desfazendo sob a pele conforme a dor escorregava em forma de berro de seus lábios. Em poucos segundos ele era poeira vermelha sobre mim.
  O nada me tomou, não sentia nada, nem medo, nem raiva, era tudo como deveria ser, tranquilidade, um poço de silêncio.
  Ainda sentia o chão tremendo quando me levantei.
  Metade da casa era poeira, tudo um metro além de mim havia desaparecido, se disgregado, observei e observei.
  O vento batendo em meus seios nus, não encontrei coragem ou vontade de esconde-los. Alguns pedaços de escombros caíram quase em mim e poeira flutuava infinitamente, uma fumaça densa me envolvia.
  Mãos, mãos me agarraram por trás, mas não, eu não tinha motivos para gritar, não quando chama azuis envolveram tudo ao redor de mim, uma beleza faminta em índigo, azul mar e pérola ondulando e devorando o resto da casa, consumindo a tudo exceto nós, exceto eu e Dorian.
  — Liana — meu nome soou como uma oração em seus lábios.
  Me voltei para ele, seu fogo não me feria, nem sequer era quente ao redor de mim, apenas consumiu minhas roupas e a casa, mas não me machucou, não faria isso se ele não quisesse.
  O olhar de Dorian estava forjado em ira selvagem, as mãos dele tocaram meu rosto, sujas de sangue carbonizado com o cheiro do quinto sequestrador, o que havia saído para buscar a razão do alarde no exterior, imaginei que não ficou contente em encontrar.
  — Liana, ei — olhei para o rosto de Dorian e pelos deuses, aquele lindo rosto era minha âncora, eu me agarrei aquilo, aquele sentimento que me varreu com toda fúria por dentro.
  Eu não sabia o que eu sentia, raiva, medo, felicidade, alívio, receio, uma mistura louca e feroz, ou se não sentia nada.
  Os olhos de Dorian queimavam azuis, chama de inverno lindos e perfeitos, ele me analisou, registrou cada ferimento em mim, não deixando passar nada, as mãos dele tremeram ao redor de mim, e o maxilar se moveu.
  — Perdão, eu não... você não estava lá, senti seu terror, senti seu cheiro de medo mas você não tava lá — a expressão dele foi devastada por desespero e alívio, me entreguei aquilo, aquelas palavras, aqueles sentimentos que pulsavam dele.
  Dorian me abraçou com força, sem intenção de me largar, enterrei meu rosto em seu peito.
  Não, eu não queria que ele me largasse, nunca, eu o queria ali eternamente comigo, abraçado a mim, sempre.

Chamas De Inverno (PAUSADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora