Um gelado arrepio desceu pela minha coluna, tirando-me de um sonho que logo que abri os olhos não pude mais me lembrar.
Dedos deslizavam pelas minhas costas, sentia os calos neles, o calor.
Subitamente o cheiro de Dorian invadiu meus pulmões. Eu estava deitada sobre ele, minhas coxas ao redor de seu tronco e meu rosto enterrado no peito que movia-se brandamente em contraste com a noite passada.
A NOITE PASSADA.
Levantei abruptamente, ficando sentada ainda encima do corpo do portador do fogo.
Ele me olhou, percorreu os olhos pelo decote profundo do sutiã e sorriu presunçoso.
— Você.. eu não... nós...
— Não — declarou.
Minha calcinha estava molhada, meus lábios estavam pulsando, talvez inchados pela intensidade dos beijos do dia anterior. Não foi um sonho, não foi um maldito sonho.
— Você me agarrou, eu falei pra você parar — ele riu, com escárnio, em seus olhos pude ler a frase "faço o que faço e é isso, não tenho que me desculpar".
O olhar me deixou enjoada. Não havia percebido que estava tão a mercê dele, se um dia decidisse que queria a mim então ele simplesmente arrancaria minhas roupas e me possuiria, eu não teria forças para lutar ou impedir e ontem a noite quando estava bêbada...
Fiquei algum tempo ali, o observando. Os lábios curvados em um risinho perigoso de domínio, era isso que estava fazendo, tentando obter domínio sobre mim, para quê? Por quê?
— Nunca me disse o que pretende comigo — a mão dele se fechou em minha coxa, eu acompanhei o movimento mas não recuei, se isso fosse fazer ele falar então valia a pena.
Não estava acostumada a pensar em qualquer tipo de poder percorrendo-me, nunca tive prova alguma de sua existência no entanto desde que Dorian me falou dessa possibilidade comecei a sentir um leve toque em meus ossos, acariciando-os, parte de mim sentia que já estava lá, só que eu apenas nunca me preocupei em perceber.
— O que me oferece pela verdade? — os olhos dele percorreram meu corpo sugerindo qual o seu preço.
— O que quer?
Dorian ponderou descaradamente em tom falsete.
— Uma noite — o observei. Inclinei a cabeça para o lado, ele acompanhou cada movimento meu, como se pudesse adivinhar qual seria minha resposta.
— Apenas uma e depois nada? — ele assentiu abrindo um sorriso enorme, as feições mudaram adquirindo uma beleza indescritível, mas havia um quê a mais naqueles lábios.
— Uma noite somente, a não ser que você queria outra — o sorriso em seu rosto mudou para um maléfico. Maldição, ele ficava lindo sorrindo como um vilão.
—e contará tudo? Absolutamente tudo?
— Não posso contar tudo e antes que pergunte também não posso dizer o porquê de não poder contar, mas direi o máximo que puder.
Exalei, baixando a cabeça e fechando os olhos, ele sempre tinha uma carta na manga, sempre estava um passo a minha frente o tempo todo nesse jogo.
As palavras que sairiam da minha boca deixaram um gosto amargo de arrependimento na língua:
— Está bem.
— Você o quê? — inquiriu Ana, boquiaberta segurando o pano de prato contra o peito. O corpo petrificado posicionado de costas para a pia.
— Eu preciso de respostas, não tenho escolha Ana — expliquei, largando-me sentada na cadeira.
Depois de aceitar os termos de Dorian ele despejou toda a história, no entanto ele disse que deixaria para responder meu questionamento inicial no fim de nossa noite, ele chamou exatamente assim "nossa noite".
— Isso é burrice, você...
— Ele pode muito bem me pegar a força me amarrar na cama e fazer como quiser comigo, você sabe disso Ana, então por favor deixe-me ao menos não ter que ser forçada a isso, deixe-me ganhar algo em troca — disparei.
A governanta me olhou com cautela. Ela sabia que eu tinha razão, mas jamais admitiria que seu menino seria capaz de fazer algo assim. Mesmo quando contei o que ele fez com o pobre cocheiro, ou quando falei o que fez comigo no banheiro e mesmo depois dele ter me trancado em uma cela imunda, sombria e dolorosamente fria durante uma semana.
— Dorian não faria isso.
— Sim ele faria — afirmei.
— Ele não é esse monstro que você pensa Liana.
— Ele não é o mesmo rapaz que criou Ana, seja lá o que tenha acontecido com ele a mente dele não está sã, ele não está bem e você é uma pessoa tola se não vê — as palavras simplesmente saltam de minha boca antes que eu as impedisse. A governanta deu um passo para trás, os lábios entreabertos de choque e os olhos, pelos deuses, os olhos eram mágoa pura — Ana, eu.. eu não...
— Pode ir, eu termino o restante.
— Ana..
— Vai — a voz saiu embargada.
Me retirei.
Burra, eu era uma burra insensível e cruel, como pude usar o que ela me confidencializou de um modo tão áspero para atingi-la.
Apertei as mãos ao lado do corpo enquanto subia para meu aposento.
Fiquei inquieta durante a leitura, minhas palavras para Ana ecoando nos túneis de meus pensamentos, junto as lembranças das mãos invasivas de Dorian em mim, em meus pedidos ignorados para que ele parasse.
Balancei a cabeça, ele me tomaria, me tomaria como dele com ou sem minha permissão, eu era fraca e incapaz demais, uma inútil.
Se essa magia toda existisse de fato dentro de mim porque ela não despertava para me ajudar, porque não me arrancava desse estado vulnerável e me dava uma chance de lutar e fugir?
Eu não podia contar com minha força física, não podia contar com nenhuma magia, não podia contar com minha velocidade para correr e tentar escapar, só podia contar com minha mente.
Ana veio em silêncio absoluto naquela noite.
De repente eu estava em um vestido muito, muito promíscuo. Tiras cobriam meus seios descendo até o umbigo formando um triângulo invertido que dava caminho para a saia, minhas costas completamente exposta, dois finos e longos pedaços de tecido cobrindo a parte inferior do meu corpo com fendas largas e longas expondo toda a extensão das pernas, a lateral do corpo completamente a mostra. Saltos pretos combinando com a negritude do vestido de veludo e meus cachos caindo como cascata em minhas costas e braços nus.
Ótimo, estava parecendo uma rameira de luxo. Exatamente o que ele queria, imaginei.
Ana saiu antes que eu conseguisse proferir as palavras que estava até o momento formulando da forma mais gentil e arrependida possível, suspirei alto.
— Pronta para trepar por informações como uma meretriz Liana? — indaguei para meu reflexo no espelho.
Não, eu não estava pronta.
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Chamas De Inverno (PAUSADO)
Roman d'amourUm momento pode mudar tudo. Liana, uma jovem caçadora solitária que vivia na floresta há muito sozinha, vê-se com o destino ligado a uma fera que se passa por homem após ser atacada por uma besta sombria. O medo passa a ser o novo aliado da jove...