Capítulo 3

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    Calor.
  Abri os olhos repentinamente, levando meu corpo a deixar o colchão, mas fui bruscamente içada sendo obrigada a ficar deitada novamente.
  Me dei conta de onde estava, como estava e, o principal, com quem estava.
  Um choque de realidade fez meu corpo encher-se de torpor.
  O braço de Dorian pesados ao redor do meu corpo. Sua respiração era lenta e constante chocando-se no meu pescoço, estaria ele dormindo?
  O mundo estava mergulhado na escuridão da madrugada, podia ver o céu escuro pela janela, ouvi as vozes dos outros hóspedes ao lado, alguma discussão em tom baixo sobre ir ou não ir a algum lugar.
  Relaxei o corpo.
  Sabia que ele bebeu e um lampejo fugaz de esperança passou por meu peito.
  Suas mãos eram como brasas, os dedos calejados e judiados, o braço do meu captor era forte, não se moveu quando tentei tira-lo de cima de mim.
  Desisti no segundo minuto, questionando-me se ele estaria de fato adormecido ou me testando para saber se iria fugir.
  Se dormia ou não, eu não sei. Tudo o que sei é que estrondosamente fui arremessada da parede para o chão.
  Dor explodiu em minhas costelas, latejando e me arrancando um gemido.
  Observei Dorian, que saltou da cama recolhendo a espada de punho reluzente com uma destreza e velocidade animalesca no exato instante em que a porta era meticulosamente aberta usando, provavelmente, uma broca.
  Os invasores não tiveram chance, um teve a garganta aberta com um golpe esperto e ágil na qual a espada pareceu mais uma parte extendida do corpo de Dorian, o outro ficou imprensado contra a parede, a espada atravessando o tórax e se fincou na madeira o deixando pendurado alguns centímetros do chão.
  Ao me levantar, massageando o local do impacto, percebi, não eram humanos,  a morte revelara a verdadeira face dos indivíduos, pele escamosa e oleosa, carentes de cabelos e altura, a boca finíssima revelando dentinhos enfileirados e pontiagudos.
  Meu peito subia e descia, avaliando-os de longe.
  — Estão vindo somente os de classe inferior — Disse o homem para si, removendo a espada de dentro do ser com extrema facilidade.
  Olhei para ele, olhei para o sangue viscoso.
  Pelos deuses, o que estava acontecendo?
  — O que são isso?
  O apreensor saiu do quarto, evitando o sangue derramado, sem olhar para mim e sem responder meu questionamento.
  Fiquei com as costas contra a parede, observando ambos os corpos desfalecidos.
  A mulher loira estava novamente à porta, os cabelos médios caindo em seus ombros, o olhar sonolento mas revirados de desprezo e aversão.
  — Sinto muito — Disse ela para Dorian alguns passos atrás, braços cruzados e um olhar entediado.
  — Qual outro número está disponível?
  — 54.
  Dorian não fez cerimônia, assentiu gesticulando para que eu o acompanhasse.
  Continuei imóvel, passando os meus olhos dele para a mulher e para as criaturas.
  — Sua amiga não parece bem — Observou a loira.
  Não notei que segurava o ar até respirar aliviada ao ser pega no colo pelo meu sequestrador, assim pude esconder meu rosto e não sentir o cheiro de fumaça, neve e sal, o cheiro das criaturas.
  O corpo dele ficou próximo demais do meu sobre a cama do novo quarto, que no geral era quase que a mesma coisa.
  — O que eram?
  — Fadas — Retrucou, colocando pressão no braço que me rodeava.
  Não era ironia, podia sentir.
  — Fadas não são daquele jeito.
  Dorian suspirou pesadamente.
  — O clã das fadas da noite, ficaram presas na floresta perdida há anos, aquela foi a única forma de sobreviverem naquele lugar — Disse, imaginei que aquelas seriam as últimas palavras que dirigiria a mim.
  — Por que estavam atrás de você?
  — De mim? — Agora havia ironia em sua voz.
  Procurei não pensar, pensar nessas coisas seriam problemas a mais, e no momento estou com problemas até demais.
  Sinto os dedos de Dorian deslizando o tecido da própria camiseta que eu trajava, para cima e para baixo em meu quadril, lentamente.
  — Onde ela está?
  — Não é da sua conta — Respondo, sabendo que se referiu a minha avó.
  Resposta errada, de novo.
  Meu corpo foi puxado e levado a ficar com o rosto para o teto, Dorian posiciona-se acima de mim, as mãos segurando firmes meus braços contra a cama.
  — Não brinque comigo garota — Proferiu.
  — O que quer de mim, eu não tenho nada, não sou ninguém — Digo, porém o rosto dele só faz se retesar.
  O olhar do homem percorreu ambos os meus olhos, um depois o outro, rápido e frio.
  — Eu já disse tudo o que precisa saber.
  — Não, não disse, eu não entendo, estou tentando entender mas não entendo — Retruquei, nessa altura sem medo nenhum dos seus avisos silenciosos de perigo.  — Você quer usar meu corpo, é o que quer? — Uma respiração alta e um sorriso frouxo.
  — Acha que eu atravessaria o continente, mataria três feras noturnas uma delas sendo uma anormal só para foder uma boceta?
  Respiro, devagar, os lábios entreabertos, a confusão em profusão dentro de mim.
  Meus dedos tateiam a minha direita, discretamente.
  — Outro continente, vai me levar para depois do mar? — O homem crispou os lábios.
  — Vou.
  — Não, eu não posso ir, eu...
  Pela primeira tentei me desvencilhar de seu corpo. Remexendo-me, agitando minhas pernas.
  O corpo dele era uma rocha grandemente pesada que continuou imóvel, minhas mãos continuaram presas.
  Lágrimas, céus, o desespero começou a me inundar.
  — Se eu me for como eles vão me encontrar? Como vão saber onde estou? Eu preciso estar lá — As palavras jorravam, não me importava, não me importava com sua carranca impassível e confusa.
  — Para, para com isso — Ordenou.
  Obedeci.
  Olhei-o suplicante.
  Eles iam voltar, eu preciso estar em um dos pontos de encontro. Pelos deuses eles iam voltar. Meu peito subia a descia, desgovernado, minhas narinas dilatando conforme transpirava.
  As lágrimas deixavam uma trilha de fogo pelo meu rosto. Eu olhava para o lado, para as cortinas turquesa da janela, não podia olha-lo, eu não queria olha-lo.
  — Olha pra mim — Essa foi uma ordem que não obedeci, então ele repetiu muito mais ameaçadoramente — Liana, olha pra mim — Continuei olhando as cortinas.
  Seu rosto desceu até a curva do meu pescoço, encostando o nariz quente em minha pele, sorvendo o aroma de um modo guloso e selvagem.
  Dor, dor irradiou da região onde a pouco o nariz do meu captor estava, puxei meus braços tentando desesperadamente me livrar. Um grito seco e oco deixou meus lábios, dando lugar a um gemido.
  Sacudi minhas coxas, tentei acertar um chute, tentei virar meu corpo, senti meus pulsos sendo espremidos por suas mãos gigantes.
  — Para com isso! — Clamei.
  A cabeça dela continuava aninhada ali, impedindo a minha de se mover, escutava perfeitamente os sons que soltava enquanto sugava meu sangue.
  Ao erguer-se novamente, os lábios melados de um vermelho profundo e brilhante, caninos projetados para fora, os olhos de lobo me olhavam.
  Meus lábios estavam entreabertos, liberando ar ruidosamente.
  — Se me desobedecer de novo garota, vai levar muito mais do que uma mordidinha.
  "Mordidinha", pensei. Céus, o mundo estava começando a girar.
  Não eu não podia perder a consciência, eu precisava lutar, precisava ficar aqui, céus não.
  Os pensamentos foram se dissolvendo, meu corpo amoleceu.
  Dorian deixou meus braços libertos, o máximo que pude fazer foi desferir soquinhos fracos e descordenados.
  — Eles... — Sussurrei, mas sabia que meu captor vencera, de novo.
  O mundo se tornou impreciso e sombrio, eu fui puxada para a escuridão, a escuridão de um sono profundo.

Chamas De Inverno (PAUSADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora