Capítulo 19: Especial

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  Cinzas e ruínas. Era tudo o que eu via naquele pequeno local aplainado sobre a montanha.
  O cheiro de morte era uma presença forte, o aroma de magia mental em dois níveis diferentes era o cheiro mais suave ali, depois o odor da magia elétrica e magia do fogo. Dorian.
  Cuspi no chão.
  Decidi por me concentrar melhor no cheiro dela, o mesmo cheiro de amora doce e flores silvestres, mas com uma forte magia do caos vinculado, sua magia cheirava a metal e ervas, estava quase tão forte quanto o aroma de morte.
  Me abaixei em meio a destruição completa, apertei a terra escurecida entre meu dedos, minha própria magia deslizou em meus dedos, transformei a terra em flocos de neve.
  A magia dela despertou, despertou muito antes do que Lana havia garantido que o faria, o odor do terror dela e da dor era um cheiro em terceiro plano, ofuscado pelos outros.
  Cerrei os dentes.
  Ela foi torturada.
  — Ela partiu a muito tempo — escutei a voz de Tari próxima, a mão erguida ao lado do corpo e dois discos cor magenta reluzindo acima da mão, os olhos tinham o mesmo tom.
  Ele estava invocando um feitiço restaurando as memórias do lugar. O homem tinha os cabelos tão longos que precisava prende-los em uma trança para trás, seus fios eram quase tão pálidos quanto sua pele, ele tinha um forte destaque entre os troncos e solo chamuscado.
  — O que houve aqui? Eu...
  — Quieto — ordenou, obedeci.
  Toda a terra adquiriu o vigor dos tons do feitiço, analisei a tudo em silêncio.
   — A magia dela é forte demais — disse, as sobrancelhas, também brancas, estavam franzidas, os lábios meio abertos em um sinal de surpresa — você disse que a magia dela deveria ser um broto.
  Não soube o que dizer. O ódio revirou meus estômago, a repulsa pelo cheiro no lugar, aquilo me deixava confuso e potencialmente ávido a machucar.
  — O que descobriu? — perguntei, ignorando a observação a respeito dos dons de Liana.
   — Agora entendi — Tari falou para si próprio, sorrindo largamente — entendi, porque as criaturas noturnas estão a caçando, ela é uma das três manifestação do caos não é?
  Cruzei os braços sobre o peito.
  — Isso não é relevante agora — estabeleci.
  Tari aproximou-se, inclinou o rosto bonito e alvo em minha direção com um meio sorriso nos lábios, puxei ar soltando alguns palavrões. Mas tinha que aceitar minha derrota.
  Tari era um homem esperto como a senhora além do céu, fui sortudo em fazer com que ele não percebesse todo o esquema antes, mas ele tem se provado um bom colega de viagem e ajudante, merecia alguma verdade.
  — Sim — admiti — Liana nasceu com o dom do caos, a magia dela manipula e gera vibrações, não imaginei que poderia progredir e se tornar tão perigosa — falei, desenbainhando minha espada para ter o que fazer com as mãos.
  — E as outras duas manifestações? — Tari questionou, desfazendo os feitiços a nossa volta com gestos bastante complexos das mãos, sempre atento me analisando.
  — A salvo, espero.
  — Por que salvar eles? São caóticos, sabe o que dizem sobre suas magias — cravei a espada na terra queimada, fitando Tari com hostilidade só pela sugestão da morte de minha Liana.
  — O que quer dizer? — indaguei, soltando um rosnado de descontentamento.
  — É a lógica — Tari se defendeu.
  Suspirei.
  Ele tinha motivos para questionar, eu mal lhe forneci informações ao longo de nossas viagens, ele tinha direito a dúvida.
  — Todos os pilares da magia devem existir — falei — É a ordem natural das coisas, o maldito Dorian deve ter entendido isso também já que não a matou e também não deixou que levassem-na até ele.
  — Ele? Quem é ele? — Tari Indagou.
  Apertei o punho da espada, sentindo meus calos doerem pressionados ao material firme e gelado.
  — Ele detém a magia da ordem, a mente dele não é sã há algum tempo e isso é o máximo que posso dizer do infeliz — Tari não insistiu para que continuasse, assentiu e montou sua égua quando terminou de remover os encantamentos por completo.
  Caminhei mais algum tempo ao longo das ruínas, lá embaixo um pequeno e humilde vilarejo era engolido pelas sombras da madrugada, as pessoas alheias a tudo o que aconteceu naquela montanha, o que sabiam era que houve o deslocamento da montanha liberando gases inflamáveis e assim tudo foi pelos ares e consumido por fogo com uma pequena fagulha.
  As pessoas eram espertas demais para não admitir que a história era um furada, mas sabiam que um lobo gigante de pelagens brancas apareceu repentinamente para em seguida desaparecer, logo em seguida surgindo um homem loiro e forte com aparência de guerreiro, ele não falou nada, subiu a montanha e em poucos minutos a antiga residência se desintegrou e queimou.
  Montei meu corcel, olhando por uma última vez as ruínas, um aperto em meu âmago fez-me contrair os lábios. Liana era minha amiga, outrora minha amada, mas acima de tudo minha amiga, eu a amava e pensar no inferno que estava vivendo...
  — Ficar se remoendo não vai resolver nada — resmungou Tari, sempre prático e objetivo, acho que era isso o que mais me agradava em sua companhia, mesmo que às vezes fosse um inconveniente.
  — Vamos seguir a trilha daquele mercador que viu o rastro do fogo azul de Dorian — estabeleci, tomando caminho pela trilha, Tari veio atrás.
  — O que faremos quando encontrar eles? — Outra lacuna em meus planos. Dorian era muito mais velho do que eu, consequentemente mais forte também, eu ainda nem tinha minha segunda forma nem sequer na metade do monstro monumental que ele tinha. Quando não respondi Tari continuou — A magia dele não está na força total, se quer um conselho o melhor momento para o enfrentar seria com a magia enfraquecida.
  — Quanto tempo?
  — Pela trilha silenciosa em que estamos agora eu diria que ele vem queimando sua magia para projetar escudos poderosos, tudo o que ele ganha de magia é redirecionado para os feitiços de proteção, diria que para recuperar tudo precisaria de um mês, um mês sem usar muito de seu fogo — remexi o maxilar, claro, eles estavam em movimento, os escudos deveriam serem os mais eficientes, ele estava enfraquecido, mas o que me perturbou em tudo isso era a preocupação no homem lobo, o receio de perder Liana. Estaria ele com medo de perde-la?
  Tive que evitar me prender ao medo impregnado no odor do senhor do fogo azul, a culpa, o ódio, ele sentiu isso, ele viveu isso por Liana.
  Antes eu imaginava que era a magia dela o alvo do interesse de Dorian, mas e se ele a levou pois encontrou uma linda caçadora e não conseguiu evitar se render aos seus encantos?
  Fiquei calado ao longo de algum tempo, Tari respeitosamente me deixou afundando em minha quietude e agradeci seu bom senso.
  — O que ele quer com ela? — indaguei, me lembrando do feitiço de restauração do lugar que já deixamos para trás. Olhei Tari por cima do ombro, ele estava centrado no mundo a nossa volta, uma ruga em suas sobrancelhas brancas.
  — Eu senti lá que ele a queria segura — disse, sem olhar em meus olhos.
  Estaria Tari mentindo para mim? Por quê?
  — Certo.
  — Afinal de contas, se não era Dorian a querer ela morta por que ele quem foi atrás dela?
  Haviam algumas respostas em minha linha de raciocínio quanto a isso, não que Lana tivesse dado crédito a alguma é claro, optei por me fazer de mudo. Seguimos em frente.

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