Capítulo 2

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  Um sacolejar abrupto lançou minha cabeça contra a parede, pelo som do impacto a parede era resistente e de madeira.
  Abri os olhos enrugando a testa quando luz vigorosa do sol atingiu meus olhos.
  Como já podia ser manhã? Por quanto tempo dormi?
   Eu estava em uma diligência, a madeira ébano com entalhes prateados estava imaculada, janelas de cortinas extensas de azul escuro estavam amarradas com o intuito de possibilitar luz do dia no interior do compartimento, sem nenhum acesso a nada no exterior.
  A dor explodiu inundando toda a extensão na minha cabeça. Tive certeza de que encontraria sangue seco no ponto onde fui nocauteada.
  Olhos frios fitavam-me conforme me erguia lentamente.
  Percebi que estava acorrentada com os braços para trás.
  — Onde... por que? — Disparei. Pouco ou nenhum pensamento se desenrolava em minha mente.
  O desconhecido pesseavam com os olhos de metal pela minha fisionomia, o rosto ponderando, parecendo-me desconfortável com algo que encontrou.
  — Pra onde está me levando — Inquiri, passando os olhos pela diligência, vendo que o revólver estava em seu poder.
  — Peça interessante — disse, erguendo a arma.
  — Por favor, deixe-me ir, não lhe fiz nada — Ele me fitou, sério.
  — Você fez sim — Começou, saindo de seu confortável lugar e inclinando o corpo na minha direção, uma das mãos apoiada nas costas do banco do lado da minha cabeça — Você nasceu — Completou, entre os dentes.
  O cheiro de álcool adjunto com mar e relva estavam mesclados na pele dele, tão forte que conseguia sentir até gosto.
  Toda a minha pele estava aquecida, a dor ainda inundando a parte mais profunda da minha cabeça, fechei os olhos por alguns segundos tentando reprimir tudo aquilo, toda a dor e toda a febre que incendiava por debaixo da minha pele.
  O medo do futuro incerto me esbofeteou maldosamente.
  — Eu não entendo — Retruquei, quando o homem voltou para seu assento — Não sou ninguém, nem sobrenome tenho, como posso ter irritado a você?
  O riso insólito desabrochou no rosto rígido, quase como se conseguisse dizer "acho melhor calar a boca se não quiser sofrer".
  Lágrimas, lágrimas queimaram em meus olhos, mas não permiti que elas descessem, não na frente dele.
  Segui presa por milhas a fundo, cabisbaixa, remoendo pensamentos antigos, perdida muito além ao que um dia imaginei que minha mente seria capaz de me levar.
  A noite caiu sobre nós, trazendo um frio denso e tortuoso.
  Ainda trajava a mesma camisola branca de tecido ordinário, minhas botas de caça haviam sido arrancadas dos meus pés e a alforje não me era visível em nenhuma parte do compartimento.
  Um homem atarracado e ruivo abriu a cortina atrás do meu sequestrador, dando a mim a visão dos cavalos negros que ele comandava, percebi seus olhinhos reluzirem ao passearem por meu físico, se detendo alguns instantes em meus seios que visivelmente sacolejaram conforme a carruagem se movia, fiquei enjoada.
  — Chegamos, senhor — Disse para meu captor, que só fez assentir, com o olhar preso em mim.
  Meu apreensor ergueu-se, e só então dei-me conta do quão alto era e pude aperceber melhor os músculos, suspirei baixinho. Mesmo que minhas suspeitas estivessem erradas e ele não fosse aquele lobo imenso, ainda assim eu jamais ganharia uma luta.
  O corpo vigoroso curvou-se a meu favor, e seus lábios rosados ficaram próximos até demais do meu ouvido quando sussurrou:
  — Sinto o cheiro do anseio dele por você — Havia raiva em sua voz. O cocheiro, ele se referia a ele.
  A raiva cintilava nos olhos metálicos quando se afastou do meu ouvido.
  Dedos ásperos tocaram minha bochecha, deslizando a favor do meu queixo o erguendo para que pudéssemos nos encarar melhor.
  — Se ousar fugir... — Um lampejo do azul elétrico cruzou suas iris, ele mostrou os dentes para mim, caninos finos e mortais, não foi preciso mais nenhuma ameaça verbal.
  O desconhecido desprendeu as correntes de seja lá onde estivessem presas, senti os braços como âncoras caindo para trás do corpo, logo a mão grande dele segurou meu braço e me arrastou para fora da diligência.
  Estávamos diante de um casarão distante das residências da cidade, era clara e bem cuidada, com um jardim planejado e cercados branco muito bem instalados.
  Ele me empurrou a favor da escada de aceso, e soltou um "fique aqui" antes de retornar até a carruagem.
  Houve um berro, alto e carregado de dor, um berro vindo do cocheiro.
  Cheiro de sangue encheu a noite.
  Quando meu captor retornou vindo em minha direção minhas pernas pareciam enraizadas no chão, e meu coração incapaz de manter um ritmo só, às vezes tropeçando e parando, outras vezes disparando e pulando com vigor.
  Meus olhos estavam horrorizados e senti todo o meu ser tremendo.
  Tive a impressão desconfortável de que ele sorria de satisfação. A mão dele novamente envolveu meu braço, no entanto, eu não consegui me mover, não conseguiria o fazer ao ver respingos de sangue no rosto dele, não o seguiria, não daria mais nenhum passo.
  Que ele fosse uma fera abominável e gigante, que me matasse, mas eu não o seguiria.
  Meu protesto velado não o comoveu, pois fui erguida no ar e jogada em seu ombro largo.
  Ao entrarmos na residência notei o cheiro forte de madeira, e ouvi a voz desconcertada da mulher que falou com ele.
  — Um quarto com cama de casal desta vez, senhor? — Uma onda oscilante de medo cruzou minha espinha.
  — Sim — Respondeu, seco.
  Me vi sendo carregada, de novo, por um conjunto de escadas.
  Ninguém que pude ver no corredor me olhava ou esboçava qualquer sinal de aversão. Tive uma amarga sensação de que não me olhavam por conta de quem me carregava, sentindo medo e intimidação.
  Ele me lançou em uma cama esparsa e de lençóis macios claros.
  A mulher que o atendeu enfim ganhou um rosto pois consegui ver ela na soleira, o coque dourado bem cingido, vestido longo cor de mar e jóias numerosas. Ela olhava-me com bastante incômodo, mesmo falando com aquele assassino que me tinha em seu poder.
  — Precisarei de outro cocheiro, somente até a proa — Era isso? Ele descartava pessoas daquele modo? Como podia? E o pior, o que faria comigo antes de me descartar também — Fiz uma bagunça na diligência, mande limpar antes do amanhecer.
  A mulher fez que sim e se foi, não fazia sentindo pedir pela ajuda dela ou de ninguém ali dentro, pois todos de alguma forma estavam ligados a ele.
  Engoli em seco ao notar os olhos predatórios em mim.
  — Eu, eu preciso ir ao banheiro — Proferi.
  Ele fez um gesto com a cabeça indicando a porta, e lentamente, eu fui até o local.
  Difícil foi pouco para descrever como foi usar o banheiro com os braços algemados, e pior ainda foi olhar a minha volta encontrando uma janela com uma possibilidade de fuga impossível.
  Abaixei a cabeça, lágrimas, o desespero sendo filtrado pelos meus pulmões, foi doloroso respirar.
  Ele não bateu à porta, apenas arrombou ela. Mas não deixei o chão de onde estava, continuei com as pernas encolhidas e com a cabeça apoiada nos joelhos, mesmo sentindo o olhar impiedoso sobre mim.
  Ele passou direto, ligou as torneiras deixando a banheira se encher com água quente e cristalina.
  — Me deixe ir, irei embora e nunca mais irá me ver de novo.
  Os olhos cinza estavam novamente sobre mim, queimando-me. Meu pedido não foi nem sequer considerado quando simplesmente disse:
  — Não irá a lugar nenhum, só se eu deixar.
  Levantei meus olhos na direção dele, havia fascínio no rosto, fascínio pelo domínio sobre mim, mas por que sobre mim? Haviam outras pessoas, outras mulheres.
  Quando a banheira estava cheia o que ele fez me deixou com nó preso ao redor da minha garganta.
  Ele me puxou, tirando-me do chão abruptamente.
  Sem avisos, sem qualquer sugestão do que estava prestes a fazer simplesmente arrancou a camisola do meu corpo, deixando a mim com somente a roupa de baixo.
  Quis cobrir meus seios, quis correr, quis agredir ele com todo o vigor ainda vivo dentro de mim, mas eu só fiquei parada, estupidamente parada observando o rosto dele satisfeito em ver meu corpo nu.
  Bruscamente fui levada para junto de seu corpo e empurrada novamente, com os seios nus e eriçado de frio contra a parede.
  O corpo quente dele precionou minhas costas.
  O pudor foi quebrado, lágrimas quentes desciam.
  Meu captor puxou as correntes dos meus pulsos, rompendo elas com as própria mãos me deixando livre. Deuses, eu jamais teria chance, nem contando com a abençoada sorte de Sorel.
  Outro movimento fez novamente nossos corpos estarem frente a frente.
  Ele começou a se despir também. Demorado, já que haviam muitas armas presas na roupagem.
  Virei meu rosto para a esquerda quando a última peça de roupa foi tirada.
  — Eu me chamo Dorian — Revelou, trazendo meu rosto a encarar o seu puxando, de novo, o meu queixo.
  Senti os olhos dele presos aos meus, famintos, buscando algo que não o deixou satisfeito ao encontrar.
  Os dedos dele permearam a borda da minha calcinha.
  Por Amahr, meu coração estava batendo como uma lebre de tão veloz, não havia mais fome ou sede, tudo o que desejava era que aquilo não fosse real, que fosse alucinação, que eu tivesse batido com a cabeça e agora estivesse caída na mata fria prestes a acordar com um aperto no coração pelo sonho maluco que tivera.
  Não era sonho. Foi real quando ele rasgou minha calcinha, foi real quando a levou até o nariz sorvendo, com gosto, o cheiro, sorrindo em seguida e foi real a maldita ereção em seu membro longo, grosso e cheio de veias.
  Ele me pegou nos braços, mergulhando meu corpo na água quente. Em seguida entrou também, olhando para mim com aquele brilho intenso nos olhos, um brilho que envolvia pensamentos sórdidos e desejo, um desejo ardente, o tipo de olhar que achei que nunca receberia novamente.
  Encolhi minhas pernas de encontro ao peito, abraçando os joelhos.
  — O que pretende fazer comigo? — A pergunta deslizou, inevitável.
  Um sorriso lascivo.
  — O que eu quiser, você é minha não se esqueça — Respondeu.
  Fiquei olhando meu próprios joelhos por algum tempo, tentando esclarecer algumas coisas, traçar algumas metas e elaborar algum plano de fuga.
  — Eu quero ver você se lavando — Uma ordem.
  — O quê? — Inquiri, apesar do comando ter sido direto e claro.
  — Mandei se lavar pra mim.
  Arregalei os olhos.
  Guinadas, era a palavra mais próxima ao o que exatamente meu coração estava executando.
  Busquei o sabonete ao meu lado, em uma prateleira projetada para produtos de higiene no banho.
  Baixei a cabeça.
  — Não — Ousei dizer.
  As palavras foram as erradas, já que em um movimento rápido do braço e respingar de água sua mão estava sobre meu pescoço. Fiquei trêmula só de pensar que com apenas um pouco mais de força meu pescoço estaria quebrado, fácil assim.
  A mão dele estava apertada para mim, para ele não sei exatamente já que alguém que rompia correntes delicadeza não era natural.
  — Isso não foi um pedido Liana, faça o que eu mando.
  Quando ele soltou-me eu tossi algumas vezes, limpei as lágrimas dos olhos e obedeci sua ordem.
  Alisei meu corpo com o sabonete, lentamente para não fazer nada que o irritasse.
  A mão dele desceu para o membro, aquilo me deixou pasma, fazendo meu corpo gelar.
  Não, eu não podia olhar para aquele rosto, não podia encarar a satisfação que eu provocava nele, eu não queria ver como aqueles olhos olhavam-me, famintos, sedentos, como um animal selvagem desesperado por algo.
  A mão dele começou com movimentos estranhos, e quando abri minhas coxas para ensaboar a minha intimidade os movimentos se tornaram mais velozes.
  Ele fechou os olhos jogando a cabeça para trás, virei o rosto, não precisava ver ele consumar o ápice de sua excitação.
  Um som, um baixinho e rouco, e soube que Dorian havia terminado.
  Terminei de me lavar encolhida em meu próprio corpo.
  Vi-o sair primeiro, ele se secou e vestiu nada além de calças cinza.
  Logo seus braços rodearam a mim. Ele me tirou de dentro da banheira com a água já morna.
  Senti minhas pernas tremerem sob meu próprio peso.
  Dorian secou todo o meu corpo, fazendo questão de se demorar enxugando meus seios e a minha intimidade. Por fim me deu uma calcinha nova, e me enfiou uma de suas camisetas.
  Minha cabeça, que doeu no começo da manhã, estava pesada, pesada de pensamentos e sono, mas eu ainda tinha fome e sede.
  Como se lesse meus pensamentos, após me deixar sentada no colchão macio da cama, Dorian se retirou retornando com uma refeição quente e água.
  — Coma — Ordenou.
  Olhei a comida sobre o criado-mudo, frango com batata assada e arroz com uva passas.
  Comi, devagar, derramei toda a água em minha garganta.
  Ao terminar percebi que meu captor estava tomando algo de uma garrafa de vidro, um líquido marrom, senti o cheiro forte de álcool.
  Fui até o banheiro onde lavei minha boca, mas na realidade não era bem essa a minha intenção, tudo o que desejava era ficar o mais distante possível.
  Voltei somente quando escutei a porta abrir e se fechar.
  Ele levou a louça suja e a bebida consigo.
  Deitei na cama encolhendo ao máximo o meu corpo em um canto. Não ousei pegar nenhuma coberta.
  A sugestão de fugir veio forte quando o homem estranho não retornou na primeira hora, mas a ameaça velada, os caninos desapontados para fora, o lobo gigante.
  Não, hoje era dia de pensar, o dia de fugir viria. Eu saberei quando a chance chegasse, mas por ora dormir me pareceu mais convidativo.

Chamas De Inverno (PAUSADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora