Arruinado.

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Mew:

— Você está bem? Mew?

Estou sentado no banco há uns cinco minutos, olhando a calçada, com a mente num redemoinho de confusão. Agora há uma voz no meu ouvido, acima dos sons comuns da rua, de pessoas andando, ônibus freando e carros buzinando. É uma voz de homem. Abro os olhos, pisco ao sol e olho atordoado para um par de olhos verdes que parecem familiares. E subitamente percebo. É David, do bar de sucos. - Está tudo bem? Você está legal?

Por alguns instantes não consigo responder. Todas as minhas emoções foram esparramadas no chão como uma bandeja de chá derrubada, e não sei qual pegar primeiro.

- Acho que a resposta é não – respondo, finalmente. – Não estou legal. Não estou nem um pouco legal.

- Ah. – Ele parece alarmado. – Bem... tem alguma coisa que eu possa...

- Você ficaria legal se todos os seus segredos fossem revelados pela televisão por uma pessoa em quem você confiasse? – digo trêmulo. – Você ficaria legal se tivesse sido envergonhado diante de todos os amigos, colegas de trabalho e da família?

Há um silêncio curioso.

- Vocêficaria?

- É... provavelmente não? – arrisca ele depressa.

- Exato! Puxa, como você se sentiria se alguém revelasse em público que você... que você é gay?

Ele empalidece de choque.

- Eu não sou!

- Eu sei que você não é! – protesto. – Ou melhor, eu não sei se você é, mas só presumindo por um momento que você fosse. O que você acharia se alguém contasse a todo mundo, numa suposta entrevista de negócios pela televisão?

David me encara, como se sua mente estivesse subitamente somando dois mais dois.

- Espera um momento. Aquela entrevista com Gulf Kanawut. É disso que você está falando? A gente assistiu no bar de sucos.

- Ah, ótimo! – Levanto as mãos no ar. – Ótimo! Porque, sabe, seria uma vergonha se alguém em todo o universo tivesse perdido.

- Então, era você? Que lê quinze horóscopos por dia e mente sobre... – Ele pára diante da minha expressão. – Desculpe. Desculpe. Você deve estar muito magoado.

- É. Estou. Estou magoado. E com raiva. E com vergonha.

E confuso,  acrescento em silêncio.

Estou tão confuso, chocado e perplexo que mal consigo manter o equilíbrio neste banco. No espaço de alguns minutos todo o meu mundo virou de cabeça para baixo. Eu achei que Gulf me amava. Eu achei que ele...

Achei que ele e eu... Uma dor cortante me atinge de súbito, e enterro a cabeça nas mãos.

- E como é que ele sabia tanta coisa sobre você? – quer saber David, hesitante. – Você e ele... estão juntos?

- Nós nos conhecemos num avião. – Levanto os olhos, tentando manter o controle. – E... eu passei a viagem inteira contando tudo sobre mim. E depois nós saímos algumas vezes, e eu pensei... – Minha voz está começando a pular. – Eu pensei que poderia ser... você sabe. – Sinto as bochechas ficando vermelhas. – A coisa de verdade. Mas a verdade é que ele nunca esteve interessado em mim, esteve? Realmente não. Ele só queria saber como era um cara comum. Para seu estúpido mercado-alvo. Para sua estúpida nova linha masculina.

Quando a percepção baixa de fato pela primeira vez, uma lágrima rola pelo meu rosto, seguida rapidamente por outra. Gulf me usou. Por isso me convidou para jantar. Por isso ficou tão fascinado. Por isso achava tão interessante tudo que eu dizia. Por isso ficou ligado em mim.

OS SEGREDOS DE MEW SUPPASITOnde histórias criam vida. Descubra agora