Era um domingo e eu estava no ônibus indo pra casa de minha mãe, a mochila vermelha no meu colo cheia com algumas roupas e fitas de filmes que tinha gravado, e o peito repleto de ansiedade. Eu iria perguntar tudo que ela havia omitido durante todo esse tempo, estava cansada de não saber coisas importantes sobre minha própria vida, não ia aguentar mais nem um segundo disso.
Mas claro que, chegando lá, eu já não estava com essa raiva toda.
Ela sorria, o cabelo solto caindo por cima dos ombros a franja grande fazendo uma curva em sua testa. Observei-a enquanto cozinhava, ela estava me ensinando a fazer alguns pratos típicos coreanos pra eu saber um pouco mais sobre mim, ela tagarelava e contava detalhes sobre como cortar os ingredientes mais rápido e aquelas partes da receita que eram segredo de família e eu não podia falar pra ninguém.
Jantamos juntas, ela conversava bastantes sobre muitos assuntos, mas não estava prestando muita atenção.
— Tá tudo bem, filha? — ela virou a cabeça de lado, sorrindo confusa. — Você mal falou nada desde que chegou, aconteceu alguma coisa?
Encarei-a, a luz da janela atravessando a sala e iluminando seu cabelo castanho meio avermelhado por uma fresta. Suspirei.
— Mãe, eu to cansada. — comecei, usando todo o folego que tinha dentro do meu corpo. — A gente fazendo isso aqui, brincando de casinha, como se a gente não tivesse passado anos sem se falar e tivesse MUITAS perguntas no ar. O que aconteceu entre você e meu pai? Porque você não me procurou? Você não me queria?! Qual seu problema, por que você só não conta o que aconteceu ao invés de empurrar tudo pra depois?! — meu tom de voz se sobressaia um pouco. — Eu preciso de respostas e eu preciso saber se você vai ou não me dar elas, por que eu já estou exausta de ficar fingindo que tá tudo bem, sendo que não tá!
Respirei ofegante, recuperando todo o ar que tinha gastado pra fazer aquele discurso meio raivoso demais pra mim. Ela ficou em silencio, olhou bem no fundo de meus olhos.
Uma lágrima caiu de seus olhos.
— Você... tá bem? — perguntei, preocupada.
Mais lágrimas caíram de seus olhos, ela limpou-as com as costas da mão e começou a fungar. Levantei rápido e fui até o lado dela, puxei a cadeira ao lado dela e acariciei o braço dela, meio desesperada. Eu nunca tinha feito ninguém chorar na minha vida.
— Me desculpa, eu...
— Foi a primeira vez que você me chamou de mãe. — ela me interrompeu, dando um sorrisinho entre as lágrimas. — Quer dizer, desde que nos reencontramos pelo menos. — ela parou, respirou fundo. — Você tá certa, eu tenho que te contar o que aconteceu, você merece a verdade. — ela me encarou, os olhos cheios de lágrimas. — Toda a verdade.
Ela se levantou, deixou os talheres em cima da mesa e foi até o sofá, segui-a. Cruzou as pernas em cima do sofá e virou-se de lado pra mim, fiz o mesmo.
— Era meu ano de caloura na faculdade, eu não tava nem acreditando que passei na Harvard, meus pais tavam tão orgulhosos de mim. — ela riu, fungando. — Eu não me enturmava muito bem ainda, não tinha muitos amigos na minha sala, eles não me tratavam realmente de igual pra igual, mas tudo bem, estava ali pra estudar, não pra fazer amigos. Aí seu pai um dia se sentou na minha frente. — levantou a cabeça. — George Jones, o prodígio, o garoto que todo mundo da turma gostava. Ele me chamou pra uma festa na casa do amigo dele que ia ter naquele fim de semana, foi a primeira vez que alguém foi legal comigo desde que eu tinha entrado, então eu aceitei. Era uma daquelas festas de faculdade cheia de álcool, droga, safadeza...
— Meu pai tinha me dito que você era traficante. — interrompi, soltando aquela informação. — Tipo, eu sei que não deve ser verdade mas... Acho que você merecia saber.
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Roteirista do Destino
Ficção AdolescenteTW: Bullying, Racismo, Homofobia, Abuso Parental e Alcoolismo. Miranda está no seu último ano do ensino médio e acha que não o aproveitou o suficiente, sempre estudando, preocupada com o futuro... O ambiente escolar nunca foi dos mais agradáveis par...