Juntos por dificuldades fáceis

349 30 90
                                    


Aquele mesmo quarto de Viena que horas antes estava ocupado por um casal de inimigos vindo de Ostânia, estava agora vazio e escuro. A tarde caía de forma desigual sobre a cidade da música, para a dupla a hora não passava naquela cafeteria movimentada que, conforme mais tarde ficava, mais vazia se mostrava. Esperavam pela mentora, pianista e cantora lírica, vindo diretamente de um sobrenome Villa-Lobos que atravessara o grande oceano que dividia os "mundos" desiguais chamados de países.

Resolveram trocar de lugar, indo para onde pudessem ser notados mais rapidamente caso a jovem brasileira aparecesse. Sentaram-se de frente para a porta perto do balcão principal, de frente para eles também havia um piano Schumann preto e velho que estava quase caindo aos pedaços. Os olhos de Sophie brilharam em sua direção ao notar o enorme móvel que mais parecia um armário cheio de partituras e um casal de pássaros de madeira como enfeites.

-O que está olhando, sua doida? Nunca viu um piano?- Implicou o companheiro

-Albert, o que você é meu?-

-Amigo?- Tentou disfarçar

-Pois bem, meu besto friendo, vá tocar naquele piano agora mesmo, como um bom e respeitoso aluno da faculdade amarela!- Ela apontou se levantando e puxando Damian. Sem ter como recusar ele se sentou na banqueta e estalou os dedos, meditou por poucos instantes o que tocar.

(OUVIR: Bach- G minor)

-Essa me faz lembrar uma estranha menina que me chama de melhor amigo a torto e direito...- E então depositou as mãos quase trêmulas sobre as telhas brancas e pretas do piano começando a tocar uma melodia corrida e simpática.

A música cativava cada ouvinte daquela cafeteria de forma que toda a atenção foi voltada para os companheiros próximos ao piano quase esquecido naquele canto. O sentimento que o jovem Desmond colocava em sua música era o que mais destacava um piano bem tocado, Anya não conseguia tirar os olhos do rosto sério do rapaz e, hora ou outra, perseguia a melodiosa música olhando os dedos ágeis do garoto sobre as teclas escurecidas de uso constante. Aquele olhar frio e profundo, difícil de decifrar, cativava a pequena espiã cada vez mais, de forma que não conseguia se distrair com qualquer outra coisa. Aquele arranjo para Bach transmitia à jovem um sentimento esquisito, ela não sabia o que, se era uma lembrança, uma falta ou um sonho aconchegante, Sophie, não, Anya! Anya queria chorar, um nó em sua garganta, que ela nem sabia o motivo, se formou. Estava duro de engolir e ela não conseguia mais sorrir quando foi acordada pelo olhar cortante de Damian a encarando. Três segundos se passaram, ambos se encararam com uma mistura de sentimentos sem que palavra alguma pudesse sair da boca de Sophie, já o garoto Desmond se segurava para não provocá-la e acabar com o momento que sabia que seria uma recompensa mais tarde.

A música já em seu ápice fez a jovem cair em descuido. Uma a uma, lágrimas rolaram de seus olhos um pouco avermelhados, ela não conseguia se conter, queria sorrir, descobriu aquele sentimento tão estranho, como um amor passado numa vida de coração de ferro, a sensação de falsa nostalgia que ela tanto queria sentir novamente desde...ela não se lembrava, apenas queria sentir-se assim, feliz e pesarosa, ao mesmo tempo, uma vida de amores e dores. Tentando disfarçar ela já não conseguia olhar no rosto de Albert, agora, focava apenas na técnica aplicada pelo pianista que acabara de fazê-la chorar. Assistia e fingia analisar, como profissional, o que acontecia a cada martelada do piano até que a música parou de repente. Ao ser novamente acordada para a realidade, notou Damian a encarando dentre todo o desfoque que suas lágrimas faziam em seus olhos. O moço tirou um lenço do bolso e entregou para ela enquanto se levantava do piano e retornava à seu acento.

Ambos, Anya e Damian perderam, dessa vez, o pôr do sol atrás da faculdade amarela visto das grandes janelas do Avenue Hoff. A reunião com a mentora ocorreu logo após toda a cafeteria Ellinkon, mas se estendeu por mais algumas horas até que o dono do café teve de os expulsar por precisar fechar. Durante essas horas conversaram sobre poucas coisas além de música e pequenos reparos para a apresentação que fariam no próximo dia para os alunos de música da Universidade de música e performances artísticas de Viena, o prédio amarelo que ficava em frente à suas residências temporárias.

Por caminhos diligentes: Um casal corajosoOnde histórias criam vida. Descubra agora