AMOR E MORTE
A vida sem amor, não produz vontade de viver, nos aproxima da morte.
A vida com amor, produz dor. Muita dor (e, as vezes, a morte é menos dolorosa).
Essa é brincadeira de Deus conosco; se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.
Eu tenho tentado me afastar do amor, já da morte... Ela não quer se afastar de mim.
Meus planos de vida era passar por essa existência feito um borrão. Entrar mudo e sair calado, mas, ao que tudo indica, não era esse o plano do criador pra mim.
Sempre tentei fazer tudo metodicamente em minha vida tediosa de psicólogo, ajudando os filhos de Deus para que eu ganhasse uns votos de confiança (ou trégua) do onipresente, mas não teve jeito, desde a morte de Daniel, minha vida virou pelo avesso. Caos e mais caos.
Desligo o PABX com Jane, fingindo cara de paisagem; "Ah, sim, um cometa vai colidir com a terra em 5 min, humrum, ok ok..."
- Flávio, perdão, você pode me dá licença um segundo para resolver umas coisinhas na recepção? – Digo calmo, olhando para o paciente. "Tipo ser levado preso"– Completa Dark, sempre motivador.
Abro a porta e vou em direção a recepção lá estava o mesmo policial barrigudo e o seu fiel puxa-saco de ontem.
- A que devo a honra, senhores!?? – Pergunto feito um lord.
- É doutor, as coisas pelo visto, estão agitadas por aqui, não? - Diz o barrigudo esfregando o seu bigode seboso.
- Inspetor, em um consultório clínico de psicologia sempre é agitado. Em que posso ajudar?
- Bom. – tirou um bloquinho de notas do bolso. Aposto que essa alma sebosa nem lembra que deixou o DVD das câmeras de filmagem do shopping aqui – Livia Saboia, é sua paciente, certo?
- Sim, faz acompanhamento comigo há 4 meses, o que houve com ela? "Bela atuação". Elogia Dark.
- O marido se jogou do prédio e ela acordou em choque horas depois do "possível suicídio"(diz fazendo o gesto com os dedos "entre aspas"), e a ultima coisa que lembrava era que estava aqui na consulta com o senhor e....
- Senhores – corto o policial no meio de sua fala- Infelizmente, não posso discutir casos de pacientes por questão de sigilo clinico. Os senhores possuem um mandato judicial? Ficarei feliz em ajudar em algo, mas temos que seguir determinados protocolos para não ficar ruim pra ninguém, né?
- Não, doutor, não temos nenhum mandato. Mas esperávamos que fosse nos ajudar a entender um pouco do caso, pois a paciente fala que só tem duas lembranças; uma entrando no seu consultório e outra da janela aberta do seu apartamento e gritos la embaixo.
- Olha, novamente, ficarei muito feliz de poder colaborar com algo – entrego meu cartão aos dois – mas agora estou com um paciente na minha sala aguardando... então...
- Duas mortes ligadas direta e indiretamente ao seu consultório não é mesmo, doutor?
- Posso pontuar para os senhores várias mortes ligadas ao hospital geral de Fortaleza, já foram verificar algo suspeito com o diretor daquele hospital? – "Check Mate!" Diz Dark - Senhores, aqui é um consultório clinico psicológico, lido todos os dias com pessoas instáveis em ambientes instáveis... Ossos do oficio, não é mesmo?
- Passar bem, doutor! – Diz o gordinho se retirando com o puxa-saco que dá apenas um "tchau".
Acompanho até a saída. É um prazer fechar a porta na cara deles.
Volto para o consultório. Jane está me olhando meio chocada.
-Desculpa, Doutor, mas eles foram insistentes....
- Sem problemas, Jane. Aproveite e liga pra Lívia. Verifica se ela pode vir aqui o mais breve.
- Sim, senhor.
Vou me encaminhando para minha sala, meu santuário.
Flávio ainda está sentado reflexivo.
- Perdão a demora, Flávio. Onde estávamos? – Digo sentando em minha poltrona, olhando minhas anotações no notebook.
- Sobre Luzia. Realmente, o senhor está certo. Nada mudará na minha vida. Mas ainda assim, eu sinto um rombo no peito. Uma dor....
- Que vai ser preenchida por outras Luzias, de preferências alguma com menos vontade de ser eterna adolescente. Você merece algo melhor, mas precisa entender isso. Se você cair no conto de que está saindo perdendo uma deusa... ai você se afunda.
- Sim... é isso...
- Olha pra mim – Digo firme. Ele olha, com seus olhos marejados – Olha a vida dessa menina, cara!!! – Viro o celular no instagram dela - Quase 40 anos, pousando de adolescente sexy, talvez até perdida, ela coloca e tira gente da vida dela ao bel prazer, essa é a vida que ela escolheu ter, achando que autoestima tem a ver com pouca roupa e pisar em cima de pessoas que a ama, nessa pegada, ela será apenas mais uma alma solitária com sindrome do perterpan, é isso que você quer pra sua vida? Essa é a mulher da sua vida?
- Definitivamente, não!
- Pois deixe essa porra sangrar agora!!! Até o fim! E toca tua vida! – Tou me sentindo quase o Dark! – Você é real cara!! Você não é refém de instagram, se o instagram acabar amanhã, você terá sua vida igualzinha a que tem hoje, você é real, entende? E ela... bem, ela fez a escolha dela pelo caminho mais raso; ganho de likes. A sociedade de likes. Toma isso – entrego o livro de Bauman sobre relacionamentos líquidos – Dá um lida, vai te ajudar a digerir isso melhor. Tire a semana de folga e tente reativar seu REAL relacionamento. Curta sua noiva. Vá transar com ela, redescubra o sexo com ela, os prazeres, gozos, vá beber, vá ler, vá escrever, vá viver...
- Ok, doutor, farei isso! - Diz mais resiliente. Ele ainda ama a tal Lúcia, mas eu garanto que em mais duas semanas ela vira passado. Tem uma lista de Lúcias esperando a vez com ele. Futuros amores, futuras dores. That's life.
- É isso, Flávio! Nos vemos na próxima sessão, ok?
Levanto-me e vou acompanhar o paciente até a porta. Abro a porta para ele.
- Até a próxima. Flávio!
- Oi Doutor, acho que precisamos conversar – lá estava ela, atrás da porta, pálida, chorosa.... Quase tomo um susto. Flávio tomou, definitivamente.
- Putz!!! Ela se lembrou!!!! – Diz Dark – Fudeu!!! Iremos preso!!! Eu te disse!!!
- Calma Dark, eu fiz o trabalho direitinho – Consolo meu amigo obscuro assustado.
- Oi, Lívia, vamos entrando!
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Meu amigo Dark
Mystery / ThrillerEles acham que eu sou bom porque sou empático, por os entender como ninguém, mas eu os entendo porque vivo todo tipo de inferno em minha mente. Isso eles não sabem. Algo em mim identifica o que se passa no submundo deles. É como se eu me reconheces...