REJEIÇÃO

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Depressão é um câncer, é um bomba relógio alojada em nosso inconsciente com tempo contado

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Depressão é um câncer, é um bomba relógio alojada em nosso inconsciente com tempo contado. Eu penso em morte todos os dias, mas aprendi a conviver com esses pensamentos ao invés de querer supera-los, isso me esgotava, me deixava ainda mais frustrado e os pensamentos ganhavam mais força. Eu não vou me matar. Isso não vai acontecer, mas torço para que alguém faça isso por mim. Bom, acho que esse desejo está tomando forma, virando realidade. Sinto isso. Instintos.

O dia virou, acordei, discuti com Deus por ainda está vivo, escolho a roupa, não faço a barba, deixa essa porra lá mesmo, como a tapioca feita por minha secretaria antipática (graças a Deus), que não me perguntou nada sobre ontem.

Fiz toda velha e merda maravilhosa de minha rotina. Até agora, nada de ninguém se matando, ou querendo me matar (uma pena), ou ameaçando minha irmã, ou repórteres abutres querendo ganhar em cima de mim.  Dark está caladinho, isso me assusta. O defunto Daniel não apareceu também, mas está cedo demais para contar vitória.

Abro a porta do consultório e Jany não está desmaiada e nem o consultório revirado. Apenas um paciente a minha espera, Flávio, que Jany confirma "Seu Flávio chegou foi cedo hoje, viu?",  ou seja, o paciente realmente existe e está vivo. Tudo, até agora, normal.  Deus ouviu minhas preces? 

-       Vamos lá, Flávio!? Aceita uma água ou café?

-       Eu já ofereci, doutor, ele não quis – Responde Jany pelo paciente que apenas se levanta e diz que não quer nada.

Flávio, é um psicólogo, famosinho até. Teve muita resistência em buscar ajuda, o mal de todo psicólogo; reconhecer que é fodido do juízo. Para ele conseguir se abrir na terapia, eu tive que falar que eu mesmo, Dr. Maximilian, o tal gêniozinho da psicologia, faço terapia também. Porém, meu psicólogo, Lennown, está me deixando, ultimamente, mais puto do que com saúde mental.

Flávio está em depressão profunda desde que rompeu um relacionamento... com sua amante. Com a esposa está tudo em paz, como sempre (a mesma morgação, a mesma falta de libido, o mesmo tédio mutuamente aceito). Ele procurou a vida toda uma mulher que pudesse confiar, quando achou, pediu em casamento, só faltou negociar com seu inconsciente que busca rejeição.

Sento na minha cadeira, ele na dele. Olho para janela,  hoje sem nuvens, mas foda-se,  a merda da minha vida está voltando ao de sempre, então está ótimo!

-       Iai Flávio, como estamos?

-       Doutor,  estou pior. Cancelei já vários atendimentos. Na verdade, não sei nem se vou conseguir voltar atender tão cedo. Só penso na Luzia (amante que é casada também, detalhes...)

-       E o que tem pensado sobre ela?

-       Que ela deve está com outro agora, que não me ama mais, que vai postar fotos que vão me machucar (ah, esqueci de falar, ela é digital influencer também).

-       Bom,  temos aqui 3 pensamentos: 1 – Ela está com outro. 2 – Ela não me ama mais. 3 – Ela vai postar fotos que machucam. Correto? Algum mais?

-       Sim, que ela vai voltar a transar com o marido dela (ah, sim, existia um acordo nessa relação que os dois não iam mais transar com seus respectivos. Para Flávio foi fácil esse "trato", pois já não tinha tesão pela esposa tem tempo, para Luzia, talvez, mais difícil pois é casada com um maníaco sexual que quer sexo todo dia, um coroa milionário que, por respeito ao amante, apagou todas as fotos do marido no seu instagram. Eu o chamo de Lombarde).

-       Certo, anotado. "Medo dela voltar a transar com o marido" – Escrevo olhando para o notebook, quando retorno o olhar para o paciente ele já está em lágrimas.

-       Doutor, eu ando pensando em... – silêncio, olha pra baixo, já vejo lágrimas rolando, até já sei o que ele vai dizer, mas... – Bem, ando pensando em morte, sabe?

-       Você está pensando em suicídio? –  Vou direto ao ponto. E já fico pensando "Ah, não, outro? A proposta de parceria com a funerária já não me parece um mal negocio".

-       Sim, é que não aguento mais essa dor, sabe?

-       Sei.

-       Mas, eu sei que não tenho coragem de tirar minha própria vida – "bem-vindo ao clube".

-       Pior é me achar um fake, como vou conseguir ajudar pacientes com depressão se eu mesmo estou querendo me matar? – "Filhote, você está se tratando com um psicólogo que pensa nisso a décadas".

-       Ser psicólogo não nos torna imunes a dores emocionais, Flávio – Nem ser um assassino imbecil – Diz Dark. Estava tudo bom demais para ser verdade...

-       Mas é insuportável, doutor! – Diz em prantos.

-       Vamos dizer que você se mata – Digo fazendo ele me olhar estranho e parar de chorar – o que vai acontecer? Eu acho que ela vai seguir a vida dela feliz sem você. Como já está fazendo agora, não? – Ele só me olha e engole saliva.

-       Flávio, o que você está vivendo agora é um luto, é um dor mesmo que beira ao insuportável, mas, talvez, não seja tudo fruto de um rompimento com Lúcia, talvez, sua dor maior seja por está revivendo uma rejeição de uma mulher que você muito admirava e que tentou de tudo para que ela te amasse de volta; sua mãe. –  Sim, eu e ele temos uma história comum; mães ausentes.

-       Sim, mas saber isso, não faz diminuir a dor que estou sentindo – Adoro esses pacientes psicólogos.

-       Tem razão, mas, talvez isso se deve porque você, de verdade, ainda não acredita nisso. Você está deslocando tudo para Lúcia, mas, na verdade, ela é apenas um gatilho, uma música ruim que te lembra um momento ruim – Digo.

-        E digo mais – Digo com ele ainda letárgico olhando pra mim - Talvez você esteja certo! Talvez ela já esteja com outro, talvez ela já esteja transando com o marido ou com outro – Digo olhando para seus olhos perdendo a cor – Mas olha, o Flávio antes da Lúcia, está aqui diante de mim. O Flávio durante a Lúcia, está aqui também diante de mim. O Flávio depois da Lúcia, também, entende?

-       Sim, sim – Diz ele olhando pra baixo – Eu continuo sendo o mesmo.

-       A dor que estou sentindo é medo da rejeição – conclui

-       Sim.

-       E o que essa rejeição está dizendo para você?

-       – Que eu não sou bom o suficiente – Diz suspirando.

-       Sim, faz você questionar seu autovalor, certo?

-       Sim, faz.

-       Mas, em termos práticos, o "Flávio" seria uma melhor pessoa se estivesse ainda com a Lúcia? Em termos práticos, o que mudou com essa rejeição, de uma forma geral, do Flávio antes e depois?

-       Nada – Responde sentindo um certo alivio.

-       Acredite, já já você sequer vai lembrar dessa dor...

PABX toca, vou atender porque sei que senão fosse uma emergência Jany não estaria me ligando, sabendo que estou em atendimento.

-       Com licença, Flávio – Digo puxando o telefone – Oi Jany.

-       Doutor, perdão, mas é que a policia está aqui. Estão perguntando coisas agora da Lívia.

-       Falta de aviso não foi! – Diz Dark

É, pelo jeito o caos virou minha nova rotina.

Meu amigo DarkOnde histórias criam vida. Descubra agora