Presa ao passado prt 2

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Eu despertei aos poucos, sentindo meus olhos pesados. A claridade do hospital invadiu minha visão, me obrigando a piscar algumas vezes para me acostumar. O vento frio do ar-condicionado batia no meu rosto de maneira delicada, um contraste estranho para a dor e o peso que eu sentia no peito. Fiz um movimento sutil com o pé e senti a bota imobilizadora envolvendo meu tornozelo machucado. Suspirei, derrotada. Outra vez.

Olhei ao redor e vi meu tio sentado ao lado da cama, a mão cobrindo o rosto como se estivesse dormindo. Como sempre. Ele nunca foi muito bom em demonstrar preocupação, mas ali estava ele. Revirei os olhos e tossi alto de propósito. Funcionou. Ele se mexeu rapidamente e abriu os olhos, me encarando por um segundo antes de se levantar às pressas e se aproximar.

— Hana! — Ele me chamou com urgência, os olhos analisando meu rosto e, em seguida, descendo até meu tornozelo. — Você está bem? Por que você saiu de casa sem me avisar? Ainda mais se machucou de novo… — Sua expressão mudou, um misto de frustração e preocupação. — Você mentiu pra mim?

Meu coração apertou com a pergunta. Ele parecia realmente magoado, e por um momento, eu não soube o que dizer.

— Tio… Eu…

Minha voz falhou. Eu sabia que precisava contar a verdade, que não dava mais para segurar tudo dentro de mim. Me sentei na cama e olhei para minhas mãos, tentando encontrar as palavras certas. Senti meus olhos arderem, mas me recusei a deixar as lágrimas caírem. Respirei fundo, criando coragem.

— Eu estou cansada de viver assim, tio… — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro. — Eu… Eu sinto falta dos meus pais.

Parei por um instante, sentindo um nó se formar na minha garganta.

— Eu sinto falta do cuidado deles comigo. De chegar da escola e ouvir um "Bem-vinda de volta!". De ter alguém que pergunte como foi o meu dia. Eu sinto falta dos meus avós… — Engoli em seco, lutando contra as lágrimas teimosas. — Sinto falta dos abraços apertados, do jeito como eles me enchiam de comida até eu não aguentar mais. Eu sinto falta deles, tio. E não é pouca.

Minha voz falhou miseravelmente no final da frase.

Meu tio me olhava em silêncio, visivelmente tocado pelas minhas palavras. Ele abriu a boca para falar algo, mas hesitou.

— Mas, Hana… por que você nunca me contou?

Ri sem humor, balançando a cabeça.

— Você escutava? — O encarei, sentindo uma pontada de amargura. — Toda vez que eu tentava desabafar com você, ou você pegava no sono, ou simplesmente me ignorava. Como você queria que eu continuasse tentando?

Ele arregalou os olhos, mas eu não parei.

— Eu achei que, se viesse morar com você, seria diferente. Que, talvez, eu receberia um "Bem-vinda de volta". Que você se importaria em perguntar como foi o meu dia. Mas eu acho que, pra você, isso não é mais importante.

Meu tio abaixou a cabeça, apertando os punhos. Eu sabia que minhas palavras o atingiram, mas não me arrependi. Era a verdade.

Antes que ele pudesse responder, ouvimos batidas na porta.

A porta se abriu e uma cabeleira ruiva apareceu. Junto dela, alguns outros garotos altos entraram no quarto. Assim que Asumi me viu, veio até mim e, sem aviso, deu um peteleco na minha testa.

𝕊𝕦𝕟 𝕆𝕗 𝕄𝕪 𝕃𝕚𝕗𝕖Onde histórias criam vida. Descubra agora