Capítulo 24 - Lembranças

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Estava acostumado à escuridão. Desde que teve consciência de sua existência, sabia: sua vida tinha um propósito. Manter segura a pessoa que estava destinado a encontrar no futuro. Proteger foi uma das primeiras palavras que aprendeu na vida.

Mas naquele dia, o único propósito que existiu tinha sido evaporado, reduzido a pó. Como explicar o vazio que sentiu pela primeira vez? A dor não era física; era terrivelmente pior. E tinha acontecido de novo.

— Não... não... — Itachi dizia em sua segunda vez naquele grandioso pátio; todos já tinham sido chamados e ele estava sozinho mais uma vez. — Por favor, de novo não.

Itachi se ajoelhou e olhou para o céu. Para os humanos, era onde os deuses deviam estar.

— O que fiz de errado? Por favor, me digam. — Pegou com força no gramado. — O que posso fazer para me perdoarem e me abençoarem com uma companheira?

Poderia dizer a Itachi que a culpa não era dele, pois não tinha feito nada de errado, mas também tinha essa dúvida. Será mesmo que fizeram algo que os desagradasse?

Todo ano, quando chegava o dia da cerimônia dos Ayakashis, Itachi parava tudo e se arrumava bem nesse dia. Ficava em pé com as mãos para trás, esperando.

Contudo, era sempre o mesmo. A noite caía e Itachi ainda fitava o chão a ponto de lhe dar dor no pescoço. Mais um ano sem ver o círculo mágico. A cada ano, Susanoo se perdia na própria escuridão; era incrível o quão fundo você pode cavar dentro da consciência humana.

— Ela está morta.

Itachi chegou à conclusão óbvia no último ano em que poderia ser invocado. A dor que sentiu seria equivalente a milhares de lâminas atravessadas em seu corpo. Era isso? Qual era o propósito deles então? Como podia existir para alguém que nunca poderia ver o rosto?! Que nunca poderia proteger? Por que nasceu nesse lugar, nesse corpo humano, se ela já estaria morta!

Morta... jamais veria a quem ele pertencia. Não poderia sentir o que era seu direito como demônio. Como poderia se juntar a ela na outra vida? Como? Se nem ao menos foi selado. Jamais poderia ser amado. Por que os deuses o fizeram então, se não poderia ser útil?

Não tinha mais para que lutar. Deveria sair do corpo de Itachi. Porém, o que o impedia era um raciocínio até simples. Se já não tinha mais propósito, para que voltar? Continuaria essa vida finita com Itachi, ficaria para que ele ainda possa viver e usar seu poder para manter sua segurança. Também era porque tinha esperanças, eram tão pequenas quanto um grão de areia, tão ínfimas que mal poderia dizer que existiam de verdade.

Virou as costas para as janelas dos olhos de Itachi. Antes apenas não falava com ele, mas agora não havia mais motivos para sequer interagir com aquele mundo que só lhe trazia lembranças dolorosas. Mergulhado em escuridão, ficou intocável e inacessível por muito tempo. Ainda conseguia escutar tanto o mundo exterior quanto os pensamentos de Itachi. Não tinha como escapar disso.

E então, num dia estranho, os batimentos acelerados de Itachi e o instinto de sobrevivência vieram de forma tão forte que foi difícil de ignorar. Era murmúrios do lado de fora, mas o sinal que teve de alerta foi grande, pois ameaçava a vida de Itachi.

— Susanoo, eu preciso de você. Por favor, responda.

Devagar, se virou para as janelas e viu que Itachi estava cercado por vários homens. Já tinha visto aquele uniforme antes.

Clã Senju.

Sabia o porquê Itachi tinha voltado para o distrito — que agora parecia arruinado, com todas as casas devastadas e corpos mortos em estado de putrefação à vista. — Queria saber se sua família ainda estava viva. Deveria ter chegado antes, tinha prometido que iria ver Sasuke em sua cerimônia, ver seu irmão ter a felicidade que ele não pôde. Contudo, algo o barrou no caminho. Foi difícil ele escapar por dias. Tempo suficiente para essa tragédia acontecer.

Rainha do HarémOnde histórias criam vida. Descubra agora