DOZE

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Nos dias seguintes, Lauren e Camila conversaram. Todas as manhãs, às sete e meia, sentavam à pequena mesa da cozinha. A cozinheira preparava um café da manhã bem leve. Lauren perguntava a Camila os planos dela para o dia e depois contava os seus. Entravam juntas no elevador e se despediam na entrada do prédio, e isso parecia diverti-lo. Voltavam a se encontrar na hora do jantar, na ultramoderna sala de Lauren. No início só conversavam sobre trabalho, mas, à medida que o relacionamento foi se tornando mais confortável, os temas se alargaram. Camila compartilhou com Lauren sua preocupação com a resistência que havia encontrado quando assumiu o cargo de CEO na Cabello Ltda. Não esperava precisar se defender das mesmas pessoas que teriam sido despedidas se não tivesse lutado por elas. Lauren ouviu suas preocupações e sugeriu maneiras de superar os problemas. As sugestões dela deram muitos bons resultados e isso aumentava um pouco a frágil confiança que ia se construindo entre elas. Uma noite, no meio de um desses jantares, Camila disse:

    — Sua mãe telefonou. A festa para seu primo novo é no sábado.

    — O que você disse a ela?

    — Eu disse que nós vamos.

    — Eu gostaria que você tivesse falado comigo primeiro.

    Uma ideia revoltante surgiu na mente dela:

    — Você não me quer por perto da sua família.

    — Camila…

    — Nada de Camila. Diga o que você quer dizer. Você acha que eles não gostam de mim? Sua mãe pediu até para eu ir antes para ela poder me ensinar algumas receitas.

    — Minha família adora você, esse é o problema.

    — Eu já disse para você que quando o momento chegar…

    Ela passou uma mão frustrada por seu cabelo negros.

    — Você não entende? Toda vez que você fala com eles é mentira. Eles não sabem que não é real. Eu não vou deixar você machucar minha família mais do que…

    Camila levantou e jogou o guardanapo na mesa.

    — Acabe a frase, Lauren. Não, espere, eu acabo para você. Você não vai deixar que eu os machuque mais do que já machuquei no passado. Você continua me culpando por aquilo que Sofia fez com seu pai. Eu achei que nós estávamos nos tornando amigas, no mínimo. Achei que você tinha entendido que eu faria qualquer coisa por sua família, se pudesse. — Uma lágrima de raiva desceu pelo rosto dela. — Você não me quer por perto da sua família? Diz isso para eles. Explique por que eu não posso ir numa festa para homenagear o bebê que eu ajudei a nascer.

    Camila atravessou a sala, entrou em seu quarto e fechou a porta com força.

    ***

    Lauren bateu com o punho na mesa.

    “Nossa! Agora ela está chorando.”

    Aquela mulher era impossível.

    Aquilo deveria ser uma situação divertida e temporária, uma maneira de tirá-la de seu caminho. Não era para ela, todas as manhãs, apressar o seu banho só para ter mais uns minutos com ela antes de sair para o trabalho. No meio das reuniões, seus pensamentos não deviam ficar ocupados com a imagem dela e com aquilo que ela estaria fazendo em sua empresa nesse preciso momento. Lauren jamais havia imaginado que deixaria tarefas por terminar em sua mesa só para chegar em casa a tempo de jantar na companhia dela.

    Lauren andava atrás dela, atento às suas palavras como um idiota. Mas isso era suficiente?

    “Não.”

    Ela queria tudo.

    Em que momento Lauren tinha perdido o controle da situação?

    Ela não queria ela por perto de seus parentes e tinha o direito de proteger a família. Quanto mais tempo passassem juntas, mais feridos se sentiriam quando ela partisse.

    E, afinal de contas, Camila continuava sendo uma Cabello.

    Lauren sabia disso, mas a cena com o advogado dela continuava a persegui-lo. Tinha sentido verdadeiro medo na voz dela, um medo que ela não queria reconhecer, porque implicava algo que estava se tornando cada vez mais difícil de ignorar: Camila não era igual a irmã.

    Ela não podia ser igual a Sofia e ainda assim inspirar o tipo de lealdade que os funcionários da empresa demonstravam. Se ela fosse como Sofia não teria ajudado seu primo bebê a nascer, nem conquistado o amor da família dela.

    Indecisão e arrependimento não eram luxos que ela normalmente se permitisse, mas essas questões não saiam da sua cabeça. E se estivesse errada? Por que razão,  tinha mais dificuldade para se olhar no espelho?

    Ela não podia ser tão genuína e carinhosa como parecia ser, porque se fosse… Bom, então ela era um idiota. Uma completa e irrecuperável idiota.

    Mas esse não era um bom momento para reavaliar as decisões que havia tomado. Tinha escolhido um caminho sem volta. Naquele instante, o software de Sofia era igual a um queijo suíço. Lauren só precisava esperar e tudo voltaria a seu devido lugar. Quando seus servidores provassem ser inúteis, a situação financeira de Sofia seria mortalmente atingida, permitindo que Lauren avançasse e tomasse de volta não apenas a ilha de sua família mas também os enormes lucros que estavam por vir da China, depois que esse país lhe pedisse para resolver o problema.

    Tudo aquilo por que ela havia trabalhado estava finalmente a seu alcance.

    Ela não pediria perdão a Camila mas também não a impediria de ver sua família dessa vez. Só dessa vez. Depois disso, quanto menos eles estivessem juntos, melhor para todos.

Amor por interesseOnde histórias criam vida. Descubra agora