Prólogo

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1814

Wexford Castle, Irlanda

Aquilo era uma questão de honra. Não, mais do que isso, pensava Kellan enquanto escalava o portão alto de madeira. Ele ia mostrar a Jonny que conseguia fazer aquilo. Ia montar no novo garanhão da propriedade. Ia ser fácil, afinal, ele era um ótimo cavaleiro. Nunca caiu de seu pônei, sempre soube guiá-lo muito bem. Kellan escutava a voz do irmão lhe chamando cada vez mais perto, tinha de ser rápido ou ele o impediria. Passou a perna para o lado interno do estábulo e desceu pela grade. Era um infortúnio, mas ele teve que entrar pela parte de trás para que nenhum dos criados o pegasse. Ele caminha até a baia de Titus, um cavalo grande e musculoso. O preto lustroso de seu pelo parecia espelhar.

— Você pode fazer isso, Kellan — sussurrou para si mesmo.

O cavalo batia as patas no chão, não gostando da aproximação de Kellan que agora entrava devagar na baia. Encarou o garanhão e parecia que o animal o observava também. Bufava a poucos centímetros do rosto do menino, que engoliu em seco, tomando coragem para o próximo passo. Muito lentamente e mal respirando, Kellan se aproxima de Titus. Ergue a mão para que ele sentisse seu cheiro e com as pontas dos dedos da outra, acariciava o pelo da lateral lombar do animal. Bom, esse era o momento. Iria montá-lo. Então escutou o barulho da portinhola da baia se abrindo e tudo se desenrolou muito rápido.

Titus se sacudiu, como que pronto para dar um coice e saiu porta afora cavalgando em velocidade, fazendo Kellan cair de bruços com o susto. Seus relinchos pareciam bravos e uma comoção se formava no estábulo enquanto os empregados tentavam conter o cavalo.

Estava. Muito. Encrencado.

Pensou tomando coragem mais uma vez.

🍀🍀🍀

— Então, qual dos dois estúpidos achou que seria engraçado soltar o cavalo? — vociferou Riley Butler — Perderam a língua, seus cretinos? — berrou ele.

Kellan não conseguia responder, era como se tivesse virado pedra de tão assustado que estava. O rosto de seu pai estava vermelho vivo, toda vez que gritava gotículas de saliva pareciam chover de sua boca. O bigode grosso e escuro o tornava ainda mais assustador, porém não era só isso que o fazia temer respondê-lo, e sim o grande chicote de couro escuro na mão do pai.

Kellan o conhecia muito bem, já o sentira nas mãos, nas costas e nas pernas – diversas vezes. Doía como o inferno, e sinceramente não queria senti-lo de novo.

— Fui eu — disse Jonathan olhando para frente, encarando a parede atrás do pai.

— Jonny...— murmura Kellan, o repreendendo. Se o pai acreditasse, seu irmão estaria enrascado. Mas foi ignorado tanto pelo irmão quanto por Riley.

— Repita.

— Fui eu, pai. Eu soltei o cavalo e levei Kellan para assistir. Achei que seria divertido — Jonathan falava com firmeza, sua voz em momento algum se alterou, nem mesmo quando o pai se aproximou dele de forma ameaçadora, quase fazendo os narizes de ambos se tocarem.

— Jonny — choramingou, Kellan. Mas sabia que tudo já estava perdido. Seu irmão estava perdido.

— Cale a boca, seu moleque. — gritou Riley para Kellan. — Você, venha comigo.

Dito isso, Riley apontou com o chicote para seu escritório e Jonathan foi sem ao menos se voltar para o irmão ou argumentar. Ele era corajoso, sempre foi e Kellan não passava de um tolo e covarde, pensou consigo mesmo.

Logo depois os golpes começaram, e ele podia ouvir cada um deles com clareza. Porém não escutava nem um som vindo de Jonathan, apesar da porta estar fechada, conseguia imaginar o irmão lutando bravamente para não chorar ou gritar. Sentiu um par de braços o envolver e sussurrar palavras de conforto em seu ouvido, o levando dali para outro cômodo. Era sua mãe. Não percebia que ele mesmo estava chorando até ouvir o choro dela.

ᴜᴍ ᴄᴏɴᴅᴇ ᴅᴇ SᴏʀᴛᴇOnde histórias criam vida. Descubra agora