Capítulo 21

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Wilhelm

Foi uma decisão arriscada aceitar a viagem. Wilhelm se arrependeu várias vezes enquanto dirigia, mas não tinha como voltar atrás. Até porque já tinha rodado trinta quilômetros.

Agora, era olhar o lado positivo.

Não iria passar o dia enfurnado em casa, pensando na ideia da sua mãe para ir a um centro de conversão gay da igreja.

Veria o mar e pegaria umas ondas. Isso com certeza o faria esquecer da acusação de Stella. Fora que dirigir na estrada era quase um remédio. O vento batendo no rosto, verde por todos os lados e um horizonte de perder de vista. Trouxe sua Canon e esperava tirar fotos dignas de elogios da sua chefe.

Quando pararam no mercado perto da praia para comprar água, Simon falou para Wilhelm gritar "Vai, Falcons". Ele fez e escutou duas ou três pessoas gritarem igualmente de volta. Falcons era um time de futebol da cidade e todos os moradores torciam para eles chegarem até o campeonato estadual.

Era um bom lugar para criar filhos. Ele imaginou as crianças correndo livres pelas ruas e praças, sem a vigilância dos pais. Elas podiam nadar no lago e correr na mata, livres.

Wilhelm freou seus pensamentos, quando imaginou Simon fazendo exatamente isso quando criança.

"Aqui é um bom lugar pra tirar fotos", Simon disse, olhando para o mar.

Estavam escorados na mureta que divide a calçada da areia. Com sua Canon pendurada no pescoço, Wilhelm bebeu um longo gole de água. O dia Céu azul, sem nuvens e uma brisa fresca soprava seus cabelos. Se ainda tinha dúvidas se deveria ter vindo ou não, esqueceu delas por completo.

"Com certeza é melhor do que fotografar o prédio do meu vizinho",

"Não me diga que você é um daqueles loucos que ficam vigiando os vizinhos com uma câmera?"

Wilhelm fez uma feição de suspense. "Nunca se sabe, até porque você me conhece há pouquíssimo tempo."

"Não ligo", Simon deu de ombros. "Mal posso esperar para saber de todos os seus defeitos."

Wilhelm riu, balançando a cabeça e colocou a garrafinha d'água na mureta para apanhar sua câmera. Levantou a câmera, alargou a abertura, aumentou a velocidade para captar movimento e depois focalizou as gaivotas.

"O que você gosta mais de fotografar?"

"Animais", respondeu, olhando de relance para Simon. "Tipo você."

Ele simulou uma falsa gargalhada. "Muito engraçado."

Wilhelm voltou a focar nas gaivotas, seguindo-as enquanto sobrevoavam o mar. Captou uma mergulhando para pescar. Baixou a câmera, com um pequeno sorriso.

Virou para o lado e focalizou no Simon, aéreo, olhando para o horizonte. Registrou o rosto, olhos, boca, nariz. O que mais gostava nele era seu nariz. Não importava o ângulo, seu nariz sempre ficava bonito.

Seu sorriso aumentou e Simon notou.

"O que foi?"

Wilhelm usou a câmera como escudo. "Tô tentando enquadrar e você tá me atrapalhando, tá enfeiando a paisagem."

Dessa vez, a gargalhada dele foi cem por cento original. "Eu acho que o problema está atrás da câmera. Aposto que as fotos estão saindo todas tremidas e sem foco."

Fingiu estar ofendido. "Que calúnia."

"Tudo bem, eu entendo, eu sei que é difícil pra você ficar do meu lado sem se tremer todo."

Wilhelm deu um tapa no ombro dele e começou a guardar sua Canon na bolsa pendurada no seu ombro. "Vamos, você tá falando demais."

"Já?", ele protestou. "Pensei que a gente iria aproveitar a linda paisagem para..."

"Para?"

"Darmos um beijo."

Wilhelm sorriu, se divertindo com o fogo de Simon. Parou um segundo para se colocar no lugar de Simon. Sentir excitado o tempo todo deveria ser horrível.

"Sua mãe está passando mal e você aqui tentando me beijar", disse, fazendo o barulho tsc tsc com a boca. "Quais são suas prioridades, hein?"

***

A casa da infância de Simon ficava em uma rua tranquila, cercada por enormes árvores. A casa era colonial de dois andares. Um homem de cabelos castanhos escuros despontou na varanda e Wilhelm viu Simon sorrir.

"É meu pai, ele disse e Wilhelm sentiu o peso das suas palavras, porque também as falava com o mesmo sentimento de admiração quando seu pai era vivo.

Estacionou o carro e Simon saiu primeiro para cumprimentar o pai.

"Meu garotão." O pai de Simon desceu os degraus da varanda, e puxou Simon para um forte abraço. Dava para dizer que sentia muita falta dele.

"Pai, esse é Wilhelm, um amigo meu do trabalho. Ele veio pra aproveitar a praia."

Em um gesto automático, cruzou os braços na frente do corpo. Entendia um pouco de linguagem corporal, então tinha plena noção de que braços cruzados significavam uma postura defensiva, um sinal de defesa e resistência, na intenção de criar uma distância. E isso era exatamente o que queria.

"Fez muito bem", o pai disse. "A praia daqui é uma das melhores deste país."

Simon revirou os olhos. "Ele tá exagerando."

"Prazer, Wilhelm, sou o Jorge, mas pode me chamar de Jorginho."

O pai de Simon não fez menção de abraçá-lo e nem estendeu a mão para cumprimentá-lo. Agradeceu aos céus por isso e se perguntou o que Simon devia ter falado. Pela feição de pena deles, provavelmente disse que não batia bem da cabeça ou tinha uma doença altamente transmissível.

"Prazer, Jorginho", disse, sentindo seu rosto ficar vermelho.

O ambiente passava um ar nostalgia e aconchego. Ainda mais quando sua mãe apareceu na varanda vestida de pijama de mangas compridas. Ela abriu os braços para dar boas-vindas.

Simon abraçou a mãe, bem apertado.

"Como você está?", ele perguntou.

"Péssima", ela respondeu em meio a tosse. "Não consigo caminhar 200 metros sem sentir falta de ar e muito cansaço."

"Meu pai tá cuidando de você direito?"

"Eu virei enfermeiro dela", ele respondeu por ela.

"Isso é verdade, não posso mentir", ela disse. "Ei, Wilhelm, pode entrar, eu não vou passar o vírus para você."

Wilhelm abriu seu melhor sorriso. "Que isso, não ligo pra isso."

"Eu sou a  Linda, venha, eu vou passar um café pra vocês."

"Não precisa, eu já vou indo", disse rápido. Estava com muita vergonha de entrar na casa dele. "Eu vou pra praia."

"Não está com fome?"

"Tô bem."

"Te encontro lá mais tarde", Simon falou, acenando com a mão.

Sorriu e assentiu. "Vou ficar te esperando."

Sem Deixar Vestígio [Wilmon]Onde histórias criam vida. Descubra agora