Capítulo 30

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Wilhelm

No final do dia, Wilhelm foi para seu apartamento.

Abriu a porta devagar, mas não entrou. Ficou parado na entrada, olhando a sala escura. Seus olhos foram para fotos espalhadas pelo chão e depois para a janela. Entrou e fechou a porta, indo direto para a cozinha alimentar seu cachorro e gato, antes deles começarem a reclamar.

Em seguida, pegou na gaveta um jornal velho e uma fita adesiva. Com movimentos apressados e desajeitados, cobriu todo o vidro da janela com as folhas preto e branco. Fez o mesmo com a janela do seu quarto.

Com as mãos na cintura, suor escorrendo na testa, concluiu que não era o suficiente. Ele não iria conseguir morar mais nesse lugar.

E então o interfone tocou.

Ah, Deus, minha mãe.

Wilhelm suspirou com todo seu corpo. Sua mãe parecia ter o dom de aparecer somente nos momentos errados.

"Por que não me ligou?" Ela entrou na sala já pronta para uma briga. "Por que eu precisei saber pelo noticiário?"

Os principais jornais do meio dia noticiaram o caso do garoto que perseguiu durante dois anos o vizinho de prédio.

Túlio nasceu no México e, quando ainda era uma criança, se mudou para o Brasil. Tinha grandes ambições, queria ser famoso. Abandonou os estudos e começou um curso de teatro, mas o cotidiano difícil e as poucas condições financeiras o fizeram desistir do sonho.

Resolveu trabalhar com o irmão em uma empresa de controle de pragas e vivia sozinho em um desorganizado apartamento. Foi nessa época que ele desenvolveu uma verdadeira obsessão pela vida do seu vizinho de prédio.

A notícia foi bem verídica, só faltou o elemento mais importante. A maldição. Nas linhas do diário, Túlio citou o irmão cerca de três vezes. Falou bem pouco da empresa de controle de pragas. Deu para entender que ele era o único membro da família que tinha contato. Enfim, ele não falou muito de si, somente sobre seu amor louco nas mais de 100 páginas que escreveu. Se não fossem pelos jornalistas, não saberia o mínimo sobre a vida dele.

"Desculpa, tudo aconteceu muito rápido. Não tive tempo para te ligar."

Os olhos da sua mãe se arregalaram ao ver as janelas tapadas com folhas de jornal. "Como tudo isso foi acontecer?"

"Eu não sei, estou tão surpreso como você."

"Na verdade, você já devia ter se preparado para coisas assim."

"Como assim?"

"É isso que acontece quando você desvia do caminho certo."

Wilhelm fechou os olhos e suspirou fundo. Quando os abriu de volta, foi em direção a mãe e colocou as mãos nos ombros dela. "Por favor, não fala assim."

"Se você não tivesse ido para esse caminho, isso nunca aconteceria."

Tentou abraçá-la, mas ele se esquivou do seu toque. Como seria bom abraçá-la, seu coração iria desacelerar, talvez se curaria até mais rápido.

"Isso não tem nada a ver."

"Eu te peço, Wilhelm", ela falou, com uma voz suplicante. "Uma vez só. Vá pelo menos em uma sessão de terapia da igreja. Você vai ver como será bom para você."

"Mãe, eu já te falei que não vou."

"Você me deve isso."

Wilhelm abaixou a cabeça na esperança de que ela confundisse isso com um aceno e parasse de falar. Seus olhos foram para o restante do jornal amassado no chão e leram um trecho que dizia 'Se eu pudesse mudar o mundo ao meu redor, talvez minha verdade não seria meu fim um dia.'

Sem Deixar Vestígio [Wilmon]Onde histórias criam vida. Descubra agora