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  Olhando pela janela da torre, o rei via sua amada cidade destruída.

As casas pela metade, os muros derrubados, o sangue que manchava as ruas e as feições de tristeza profunda que tomavam cada rosto, que antes era a mais pura alegria. Mesmo no silêncio de seu escritório, as lamúrias angustiantes grudaram em seus ouvidos para tortura-lo.

  Esse foi o maior dos ataques até o momento. A minutos atrás, uma enorme criatura invadiu a cidade que estava em festa, destroçando onde pisava e acabando com a alegria que restava. Nos últimos dias era como se o povo não pudesse ter algumas horas de descanso. Eles se recuperavam de um ataque e logo recebiam mais um dragão queimando seus lares e roubando suas vidas. 

  O rei estava perdido. Mal conseguia enxergar a vista da janela por causa da cortina de lágrimas. A dor escorria devagar em forma de gotas. Ele não as impedia, deixava que seu corpo liberasse qualquer resquício de aflição que o perturbava, sendo sufocado pelos próprios pensamentos. 

  Seus punhos cerrados perderam a cor de tanta força que fazia. Suas unhas cortavam a pele e ele sentia o sangue começar a escorrer, junto a ardência; porém não ligava. Sua mente foi nublada pela tristeza, que aos poucos ia se transformando em ira, quieta e sorrateira, com um poder destrutivo enorme.

  Martirizava-se mentalmente, sentindo-se fraco e derrotado. Sentia raiva de si mesmo, sentia raiva daqueles que estavam jogando no lixo tudo aquilo que ele lutou para conseguir, sentia raiva de não ser o suficiente.

  As lágrimas iam cessando e seus braços começaram a tremer; as asas de libélula em suas costas se agitaram, demonstrando a turbulência de sua cabeça bagunçada. Tentava respirar fundo para se acalmar, mas não adiantava. Aquilo só percorria mais e mais dentro de si, como o veneno de uma cobra correndo em sua corrente sanguínea. 

  Ele precisava de uma válvula de escape antes que aquele veneno alcançasse o coração. A cólera era tanta que ele segurou a mesa enorme do lado da janela e a jogou do outro lado do cômodo, derrubando e quebrando o que estava em cima e no seu caminho. Ela colidiu com a parede azul, fazendo aparecer uma rachadura. A mesa de madeira voou como se fosse uma folha em meio a uma ventania, de tamanha a força que a raiva despertou. Não sendo o bastante, ainda sem sentir seus braços pararem de tremer e seu coração se acalmar, ele se virou bruscamente para o espelho redondo com moldura dourada. Ambas as mãos pingando sangue dos cortes que suas unhas fizeram e o suor começando a escorrer por sua têmpora, colando seu cabelos na frente dos olhos.

  Desesperado para descontar em alguma coisa, mal olhou seu reflexo e socou o espelho com a mão esquerda uma, duas, três vezes; e depois com a mão direita mais uma, duas, três vezes. A cada golpe que dava, via seu reflexo caindo junto com os cacos. Via sua imagem como estava: quebrada.

 Como chegou nessa situação? Como tinha deixado seu povo sofrer tanto?

  Ele havia falhado com eles, falhado com seus antepassados que lutaram por aquele país. 

  No último golpe contra o vidro, ele abaixou a cabeça e as asas pretas, como penas de um corvo, e, ainda com o punho encostado na madeira, sua garganta rasgou com a veemência do bolo de sentimentos agonizantes ser transmitido pela sua voz. Gritou como um louco.

   Gritou de raiva pelos que estavam destruindo seu povo, de tristeza pelas perdas e, acima de tudo, gritou pela raiva que estava com ele mesmo. Seus gritos eram tão altos que deixariam qualquer um atordoado, e cheios de uma melancolia tão grande que fariam a alegria chorar de tristeza. 

  Depois de quase um minuto na mesma posição, ele abaixou o braço e levantou a cabeça para olhar o dano que havia feito no espelho e ver seu rosto acabado.  

Profecia [Yoonseok]Onde histórias criam vida. Descubra agora