Capítulo4
Serena chegou pouco depois de Ryder, e foi a única que ele quis de fato salvar da massa enfurecida de mortos, embora ela deixe bem claro que teria se virado muito bem com seu Maverik GT 74. Rodeado pelos mortos, como único organismo vivo numa rua da Aclimação, bairro onde trabalhava e que rapidamente fora tomada por uma avalanche de bichos como gafanhotos famintos.
O Maverik era uma herança de família, paixão do pai, e assim como o patriarca, ela também amava esse carro — presente que ganhara ao passar na OAB depois de formada na faculdade de direito, levando o longo legado de uma grande família de advogados para frente — e estava dentro ao tentar sair da garagem do prédio, sendo cercada rapidamente por todos os lados. Mas o Rambo, chamado Ryder, saiu atirando feito um louco, derrubando bichos que caíam numa montanha de fluidos gelatinosos, dando a ela a chance de sair acelerando por cima dos que ainda estavam sobre o capô, derrubando os bichos e depois rodopiando sobre eles, como se estivesse sapateando sobre seus corpos mutilados.
A bela jovem, com uma enorme tatuagem de tigre nas costas. Claro, feita depois de ganhar o belo Maverik de cinco marchas com um carburador quadrijet de ronco magnífico. É uma pena que ela agora só possa usá-lo para atrair os bichos com o som, quando acelera para fazer eles chegarem perto o suficiente da lataria cor azul regata, quase tocando o carro, para então fazer valer os 300 cavalos do motor V8 e sair cantando os pneus wide.
O fato de ser a única mulher adulta do grupo não a deixa em posição inferior ali dentro. Uma advogada nada convencional na vida antiga, Serena é boxeadora e não batia apenas em seus inimigos dentro do tribunal, mas fora deles também. Prometeu que nunca mais seria vítima de um homem ciumento e inconstante, e quando entrou para o boxe, o ringue era seu tribunal e ali deixava qualquer marmanjo babando antes de enfrentá-la. Mas quando saíam da luta, não tinham mais tanta certeza se queriam tê-la como namorada.
Seus cabelos negros e longos estão sempre presos num alto rabo de cavalo, e as laterais, que antes eram raspadas, têm agora já os cabelos crescidos e trançados, unindo-se no alto. Na orelha direita há tantos piercings que já não há mais espaço. Chega a ser difícil pensar em Serena num terninho cinza diante de um juiz velho, muito sério e que usa pesados óculos na ponta do nariz.
(***)
Como um tigre rondando a presa, assim o perigo se esconde em cada esquina sombria, atrás de cada vidro quebrado de uma janela escura, dentro de cada olhar misterioso que cruza o caminho desses novos tempos. Sair é uma ameaça constante que eles não podem se dar ao luxo de esquivar, e enfrentar não é uma opção, mas a cada nova saída sabem que podem trazer muito mais do que um alimento. Podem trazer um amigo ferido ou morto, e, quem sabe, pior ainda, podem ser eles o amigo ferido ou morto a ser carregado.
Sair atrás de mantimentos é inevitável, além disso, precisam sondar o perímetro contra riscos e ameaças, mas normalmente fazem isso com saídas rápidas. Entretanto, dessa vez, ao contrário do costume que é sair em pequenos grupos, sairão em um bando um pouco maior. Essa missão, porém, não ficará mais fácil por causa disso, pois não apenas alimentos estão faltando. Dos remédios que ainda sobraram, a maioria são para transtornos psiquiátricos, e Ryder acabou com o estoque de Ritalina para ficar "ligadão" durante o dia e Clonazepam para dormir à noite e esquecer os barulhos de grunhidos que vêm de fora.
Precisarão de tática e faro para descobrir onde estão guardados os alimentos e onde poderão descobrir analgésicos e antibióticos. A verdade é que eles têm ficado tempo demais dentro do complexo. Esse reality show, onde eles mesmos são os protagonistas e espectadores, confinados numa ala psiquiátrica, já durou muito tempo.
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Linha Vermelha
Science FictionUma descoberta da cura do virus HIV tinha tudo para dar certo. Erradicar a AIDS e salvar milhões de vidas era tudo que a população mundial queria e necessitava, mas o quê era para ser uma descoberta incrível foi apenas o começo de um novo e mais mo...