É preciso perder...

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Prefácio

A morte sempre foi um estado que permeou os povos nos quatro cantos da terra, tendo isso como uma das piores coisas que pode acontecer ao ser humano, independente da forma que ela vai chegar. Trata-se da luta natural pela sobrevivência. Não tem como não temer a isso, mesmo se preso às religiões otimistas sobre o além-vida. Algo intrínseco, impossível de ser removido, no entanto, algo que nos mantém vivos. Se não fosse o medo, estávamos perdidos.

Mas há o outro lado da moeda, o inverso, mais bonito. Enquanto que o nascimento é o início e a morte é o fim, a ressurreição é a segunda vida. Um direito misterioso dado a determinada pessoa por seu alto nível de paixão por algum deus de alguma religião. E isso sempre foi mostrado como algo lindo, afinal, Cristo ressuscitou e subiu ao Pai, depois de fazer uma breve visita aos seus fiéis discípulos. Algo que mesmo para aquela época, foi cinematográfico. E conforme aquilo foi sendo lido, começaram a pensar que seria daquela forma que seria se por um acaso alguém ressuscitasse, mesmo que não fosse um Jesus Cristo. Afinal, Lázaro também ressuscitou, não teve tanto glamour, mas não foi tão feio. Saiu como entrou.

Só que alguns autores começaram a perceber que não seria bem assim e começaram a trabalhar em histórias embasadas na ciência, que apresentavam argumentos de que não seria tão bonito assim um cadáver voltando à vida depois de alguns dias apodrecendo. Bem, é de se imaginar que algumas partes do corpo não funcionem tão bem, que o cheiro não seja tão agradável, e que é possível estar faltando alguns membros. Os primeiros filmes que apresentaram os zumbis ainda tinham uma base mística, com roteiros desenvolvidos sobre religiões e crenças haitianas. Até os dias de hoje ainda é possível ouvir por aquelas partes do mundo, que há mortos despertando, prontos para servir àquele que o ressuscitou.

Withe Zombie (1932) foi o primeiro filme, apresentado tudo o que foi falado acima sobre o misticismo. Bela Lugosi estava mais do que confortável em seu papel como o assassino Legendre. Houve uma sequência com o título de Revolt Of Zombie, mas que não foi tão aclamado quanto o primeiro. King Of The Zombie veio em 1941, mas a explicação por trás dos zumbis ainda era com base em um transe pouco embasado. E assim o tempo passou, obras nas mais diversas mídias eram desenvolvidas, mas ainda pouco podia se encontrar do que vemos hoje nesse subgênero que tanto amamos.

Quando, no Halloween de 1968, foi lançado um filme de terror chamado A Noite dos Mortos-Vivos, ninguém sabia do que se tratava e muito menos o que estava prestes a acontecer. Nenhuma pessoa na plateia tinha noção que a partir dali a história do cinema de horror estava passando por uma transformação. Uma nova vertente estava sendo criada e George A. Romero junto com John A. Russo estavam sendo os protagonistas desse momento com aquela obra que foi considerada aterrorizante e inovadora, pois, apesar de muitas coisas terem sido desenvolvidas antes, foi com A Noite dos Mortos-Vivos que todos os elementos de survivor-horror foram estabelecidos e que podemos ver nas mais diversas histórias ainda hoje em dia. Apesar de haver algumas alterações nas mais recentes, toda a questão histórica está presente, base científica, explicações e etc.

Em 1968, Romero entregou uma obra-prima poderosa, repleta de críticas ao armamentismo e ao militarismo, além de apresentar o primeiro protagonista negro da história do cinema de terror, que foi assassinado por ser confundido com um zumbi. Algo que para muitos vai ser apenas o final triste, mas que se visto de uma maneira mais crítica, vai tornar tudo ainda mais complicado de lidar.

Todas as obras que vieram depois, de alguma maneira (mesmo que inconsciente), faz alusão à película de Romero. Não me refiro a uma cópia, mas o filme de zumbis definitivo está ali, com todos os elementos estabelecidos.

E o livro Linha Vermelha, escrito pela estimada Pris Magalhães, consegue trabalhar com todos os elementos de maneira magistral, mesmo que lido de forma superficial por algum desatento, isso vai ser notado. Toda a ambientação é um registro tenebroso do que a cidade de São Paulo poderia vir a ser se fosse tomada por zumbis. Mas não é apenas por isso que podemos considerar o Linha Vermelha um genuíno livro sobre zumbis, e na verdade, nem é por conta dos zumbis em si. O que faz dessa obra algo poderoso são seus personagens, principalmente aqueles que podem ser considerados os protagonistas, que são Brunno, Nico e a Serena, que acabam se prendendo um pouco nos clichês de personagens clássicos do gênero, mas a Pris logo mostra o motivo disso. Na verdade, trata-se de uma estratégia para acrescentar camadas no decorrer do livro e mostrar que nem tudo é o que aparenta, que seus personagens não são clichês e que tem um domínio exemplar da linguagem, o bastante para transformar o superficial em algo intenso e profundo. E isso fica claro nas primeiras páginas, quando a casa do Brunno é invadida pelos mortos-vivos.

As cenas de ação e horror vão além daquilo que podemos esperar de uma leitura casual (ou seja, que não se trata de um clássico consagrado). A autora não se perde em nenhum momento, nem nas partes mais complexas que se pode haver em um momento denso, como tiroteios ou combates contra zumbis.

Mas já que estou dizendo que o livro vai conquistar o público logo no início, não preciso me estender mais que isso. Há muitas surpresas nessa jornada, muito sangue e horror, como os fãs de terror sempre pedem.

Está na hora do jantar, a comida está na mesa, e o prato principal é um livro que vai saciar a fome de todos os apaixonados por zumbis.


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