Capítulo 2

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Capítulo2

Falta energia elétrica em muitos lugares depois do grande apagão há três anos, a água tem gosto de podridão e os alimentos são vistos como riqueza, moeda de troca ou fonte de informação. Não há comunicação com o resto do mundo há mais de dois anos. As poucas pessoas que sobreviveram, que Brunno conhece, estão isoladas na ala de internação do Instituto de Psiquiatria do Hospital Cetrap – Centro de tratamento psiquiátrico.

Dois pacientes, que foram internados ali com suspeita de distúrbios neurológicos, tinham, na verdade, sido contaminados pelo vírus mutante. Imagina a carnificina que foi quando a epidemia se alastrou. Toda a ala fora isolada, mas era tarde demais. Quando a bomba estourou, foi tudo muito rápido, o vírus já tinha obtido a maturidade e alcançado o cérebro dos infectados.

Brunno ainda se lembrava com clareza dos momentos que antecederam o pior dia da sua vida.

Na época, autoridades do país afirmaram numa coletiva de imprensa convocada pelo ministro da saúde, Eduardo Guimarães, e pela ministra da defesa, Rita Mansur, que o exército estava na rua junto com os agentes sanitários para orientar a população sobre o novo vírus que entrou em território brasileiro. Brunno ainda se recorda da mãe tremendo e choramingando ao lembrar que seus filhos estavam atuando na linha de frente, defendendo o país de coisas e monstros que ninguém sabia ao certo o que eram e muito menos como se defender.

Os aeroportos foram fechados desde que o quarto caso de raiva incontrolada envolvendo agressão deliberada contra outras pessoas entrou no país, mas até as autoridades resolverem dizer o real perigo que a população iria enfrentar, muitos dos contaminados já estavam apresentando os sinais ao redor do mundo todo.

— Estamos empenhando esforços para que o vírus seja controlado e a população fique segura — afirmou a ministra Rita diante de microfones furiosos, que disputavam um espaço privilegiado próximo à sua boca tapada por máscara. As bolsas sob seus olhos denunciavam que as recentes noites mal dormidas, a fim de descobrir meios de deter o vírus, tinham sido em vão. Seus olhos verdes deixavam claro que não havia mais esperança. — Peço que fiquem em suas casas e evitem contato com pessoas externas. Repito: evitem contato com pessoas externas ao seu círculo familiar. Qualquer indivíduo que apresente sinais como: febre alta e repentina, convulsões, raiva incontrolada, desorientação e descoloração cianótica da pele, deve ser colocado sob isolamento e os agentes sanitários devem ser imediatamente acionados para a remoção do "doente" — disse, enfatizando a palavra doente com todo cuidado. — Não tentem, de forma alguma, tratar ou controlar o infectado, pois o vírus se transmite através de fluidos corpóreos, como a saliva e o sangue. — Essas palavras foram cuspidas numa tacada só, respingando em toda a nação que, assustada, recolheu-se em suas casas, colocando até mesmo os animais domésticos trancados do lado de fora.

Não se sabia ainda, com certeza, de onde estava vindo aquele vírus, e qualquer possibilidade de contágio era aniquilada. A voz da mulher era tão firme quanto seu semblante pálido poderia transparecer. Trazia o cabelo curto e preto em um penteado até os ombros, e uma discreta franja bem cortada, que escondia algumas linhas de expressão da testa, fazendo com que aparentasse ser mais jovem do que seus quarenta e dois anos.

Desligando o televisor com cautela, como se esse pudesse transmitir mais notícias ruins, Marcos foi até a janela e puxou a cortina branca de renda levemente para o lado, para que não fosse notado de fora para dentro. Perscrutou com o olhar toda a extensão do quintal e a vizinhança agitada. O alarido externo denotava o medo que havia se iniciado dias atrás e já se podia ser ouvido do lado de dentro. A verdade é que a mídia já não estava veiculando livremente as informações. Apenas algumas rádios e sites, que conseguiam seguir sem serem derrubados, passavam parcas informações sobre a real situação ao redor do mundo.

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