Capítulo10
Brunno corre, sabendo que sua vida depende disso. Corre ouvindo os tiros ecoando atrás de si, riscando as sombras, caçando-os enquanto ele se distancia, segurando Sacha pelas mãos por ruas encharcadas com a chuva torrencial que cai sobre suas cabeças desnorteadas. Chuva que lava o sangue do rosto ainda mais pálido da garota, ensopando as roupas dos jovens e grudando-as nos corpos. Nervos de aços impulsionados pelo medo e pela covardia. Pelo pavor e pela euforia. O suor escorre, confundindo-se com lágrimas e chuva. Águas salgadas escorrendo dos olhos e percorrendo as faces encrespadas, lavadas pelo choro de um céu escuro e feroz. A lua encaro-os impassível, acompanhando a corrida desenfreada pelas ruas apinhadas de obstáculos. Os pés afogam-se nas poças d'água, que espelham seus rostos cobertos de ânsia e desespero.
Correm sem olhar para trás, desviando de mortos que passeiam como cidadãos comuns cantando na chuva — i sing in the rain —, entrando em becos para depois descobrirem que não foi uma boa ideia. Percebem que os novos moradores do lugar são um tipo barra pesada do além-morte. Mas não são fantasmas, ao contrário. São de carne, ossos e podridão.
— Nós vamos conseguir — Brunno diz, ofegando, o coração martelando forte num peito cansado, as pernas queimando onde os nervos inchados reclamam da corrida enlouquecida. — Nós vamos conseguir... — reafirma, diminuindo os passos, já sem forças para prosseguir. — Nós vamos conseguir — insiste, mas já não mais conseguindo puxar a garota, que para e nega-se a continuar quando ele mesmo não quer mais correr. Ele para, inclina-se para frente e coloca as mãos nos joelhos dobrados, arquejando lufadas de ar, que entram úmidas da chuva.
Os murmúrios estão chegando numa enxurrada de gemidos e grunhidos, mas Brunno não reage. Ele não quer lutar mais contra isso. Não tem mais forças para seguir em frente e não vai tirar Sacha do estado de torpor em que ela está. Ele também quer isso, quer estar nesse estado de entorpecimento, em que tudo o que vê é essa luz que vem em sua direção, aumentando, aumentando...
Parece que alguém o chama, mas ele não tem certeza se está mesmo ouvindo. As vozes distantes se misturam com as águas que caem agora em golfadas, e um clarão risca o céu numa luz ainda mais ofuscante. Ou será o farol acima de sua cabeça? Um raio estronda alto e ele se sobressalta, ou será um tiro? Não sabe mais a diferença entre os gritos e os murmúrios, até que sente uma grande mão puxando-o pela gola. Um morto? Sacha também está sendo atacada? Nada importa. É o fim, não é? Seria assim desde o começo.
— Entra agora! — grita uma voz. — Agora!
Ele percebe o alto vulto correndo rápido e vê quando alguém passa com Sacha no colo e entra no carro-forte que, em épocas normais, servira para transportar valores de bancos e empresas.
— Venha, garoto! — grita alguém, puxando-o pelo pescoço. Os murmúrios chegam perto. Muitos, dezenas, cada vez mais próximos, e então um puxão mais forte o coloca na pesada porta de metal e alguém o puxa pelos fundilhos e o joga para dentro. A porta fecha com um grande estrondo e Brunno se vê encerrado numa caixa escura.
— Veja se estão limpos! — ordena alguém. Uma voz masculina, que estranhamente parece familiar a Brunno. Ele estaria delirando? A voz parece tão longe, mas está tão perto de seus ouvidos. — Foram mordidos? — pergunta para Brunno, agarrando seu braço com uma grande mão, deixando à mostra a mancha conhecida em formato de pera no dorso. Marca de nascença. Puxa o braço do jovem e vasculha cada centímetro da pele fina e úmida, procurando com a lanterna acesa pela marca que todos temem, mas Brunno não tem essa marca. Quando Brunno levanta a cabeça, tentando ver, tentando reconhecer no escuro, a claridade da lanterna para em seu rosto, ofuscando-lhe os olhos, forçando-o a fechá-los.
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Linha Vermelha
Science FictionUma descoberta da cura do virus HIV tinha tudo para dar certo. Erradicar a AIDS e salvar milhões de vidas era tudo que a população mundial queria e necessitava, mas o quê era para ser uma descoberta incrível foi apenas o começo de um novo e mais mo...