O Grande dia

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Três anos depois do grande dia...

A mente de Brunno ainda está em seu juízo perfeito. Não que às vezes ele não pense nas circunstâncias que enfrentou para poder chegar até aqui ou como poderá prosseguir, mas a sanidade ainda permanece, apesar de tudo, e o jovem pretende mantê-la, ainda que tenha que lutar todos os dias pela sobrevivência, a custo de coisas que em outra época seria obsceno até mesmo pensar. Mas dia após dia ele olha pela vidraça e tudo que vê, além dos olhos castanhos refletidos, são o caos e a morte espalhados pelo o que um dia foi uma grande e próspera metrópole, e ele se pergunta sobre os outros.

Onde eles estão? Vivem? Em que circunstâncias se encontram? Pergunta sobre os que estão lutando um dia após o outro pela sobrevivência, custe o que custar e, sinceramente, tem custado caro cada pacote de alimento, que por sorte ainda conseguem encontrar, ainda que já há muito passado da validade. Mas não é isso que o assusta, não é um alimento vencido que o faz prender a respiração.

Além do mofo e carunchos, que encontra misturados ao arroz, ou do bolor na lata de massa de tomate, é o que está lá fora que faz o sangue correr tão rápido em suas veias que o coração seria capaz de explodir no peito, cheio de medos e receios.

O que os aguarda? O que está reservado lá na frente? Não apenas além destas sólidas paredes que os protegem e dos muros que os cercam, mas que plano está guardado para os que ainda resistem na luta diária pela sobrevivência? Será esse o grande final que Deus preparou para a humanidade? O castigo tão mencionado pelos pecados cometidos durante séculos, milênios?

Tantas perguntas nesses anos que se passaram, em que não tiveram progresso algum na solução desse enigma que faz com que os mortos voltem à vida. Enquanto isso, a lei do mais forte é a lei de sobrevivência, a única lei válida e temida, porque se você está vivo, você é um assassino em potencial que oferecerá riscos a qualquer um que ameace sua sobrevivência e, portanto, deve ser evitado ou, preferencialmente, morto.

Brunno aprendeu que não existem amigos, apenas sua vida para proteger, enquanto você a arrisca todos os dias por uma salsicha enlatada ou qualquer coisa que esteja dentro de um recipiente de conserva. E até mesmo aqueles pepinos que parecem plástico boiando dentro de um vidro, parecem apetitosos quando já não se encontra o almoço numa varredura de rotina.

Enquanto isso, os nomes para essa loucura que está zoando todo o mundo só estão aumentando, e cada um prefere chamar à sua maneira, ou como bem lhe parece ser o mais adequado — as pessoas adoram nomear as coisas —, embora, em um ponto eles, os últimos, concordam: essa porcaria não terá mais fim, e ela, a Terra, nunca mais será a mesma.

Alguns ainda se referem a essa maldição como a grande fúria de Deus. O castigo que Ele infligiu aos homens por seus pecados e perversidades, a forma que o Todo Poderoso escolheu para puni-los e que o inferno é o que estão vivendo agora. Esse é o final dos tempos pregado há milhares de anos, não as bolas de fogo vindas do céu. Bom, há quem acredite que elas ainda virão, mas só depois desta "purificação", em que apenas os bons e fortes sobreviverão.

Claro, Brunno não deixa de se lembrar das várias vezes em que alguns pregadores batiam em sua porta nos sonolentos e preguiçosos domingos pela manhã, ansiosos e bem-dispostos para pregar a palavra de Deus. Para ele, crer na palavra do Poderoso é indiscutível, e nada, nem mesmo a praga que sobreveio contra eles, o fará mudar de ideia quanto a isso. Engraçado, aliás, chamar de praga, porque, afinal, isso remete às dez pragas do Egito descritas na bíblia, especificamente a mais purulenta de todas, em que a pele dos homens, os maus que não queriam libertar os israelitas, ficou coberta de feridas grotescas e imundas. Mas ainda assim eles não comiam outros seres humanos.

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