Capítulo 28.

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As noites em claro estavam cobrando seu preço. Parecia que minha vida fluía em uma correnteza longa e contínua, e eu nem sequer queria remar para a terra firme. Uma pessoa só consegue viver tanto tempo assim sob o efeito de adrenalina, apesar de que eu não conseguia nem acompanhar a passagem dos dias. Em uma terça ou quarta-feira, enquanto ia para casa depois do trabalho, doida para dormir, mas sabendo que ainda precisava terminar umas leituras antes de sair para ver Lexa, encontrei Mamãe na cozinha colocando a cobertura em um bolo de chocolate.

Será que eu tinha esquecido de algum aniversário? Não era o meu, era? Não, eu não estava tão mal assim. Da Mamãe ou da Madi? Não. Da Octavia? Do Kane?

— Qual é a ocasião? — Mergulhei um dedo na tigela de cobertura.

Mamãe jogou a faca na tigela e girou para me encarar. Ela me empurrou para trás e quase me fez cair. Disse:

— Isso é verdade? Você está saindo com aquela garota?

Meu olhar tremulou na direção da Octavia, que estacionou no portal entre a cozinha e a sala de jantar.

Eu podia mentir para Mamãe.

Não, não podia.

— Estou — falei.

Os olhos da Mamãe se incendiaram.

— Você está dormindo com ela?

Ah, Deus. Temos mesmo que fazer isso aqui? Agora?

— Bem, na verdade — dei um sorrisinho —, a gente não consegue dormir muito.

Senti um estouro quente na cabeça, antes de entender que Mamãe havia me dado um tapa. Lágrimas minaram dos meus olhos, mais por causa do choque do que da dor.

— Mãe, você não entende. — Aproximei-me dela. — Eu amo a Lexa.

Ela me bateu de novo, com mais força, e eu caí na sala de jantar, meu quadril foi se chocar contra o aparador. Kane estava dando comida para Madi na mesa, onde Octavia voltou para se sentar. Mamãe partiu para cima de mim, batendo nas minhas costas.

— Mãe! — Tentei afastá-la, mas não consegui. Ela estava enfurecida.

Kane saltou para nos separar. Ele agarrou Mamãe por trás e disse:

— Chega! Não precisamos de violência aqui.

Mamãe gritou comigo.

— Eu não criei você pra ser lésbica! — Ela disse isso de modo que soasse a palavra mais feia da língua. — É nojento. Pervertido. Você é uma pervertida. — Kane a segurou com uma força mortal.

— Não é assim. — Ergui as mãos na direção dela, tentando acalmá-la e me explicar. — É bonito. A gente se ama.

Ela se soltou do Kane e veio para cima de mim. Me bateu de novo. Começou a me estapear e me dar bofetadas no rosto, nos braços, qualquer lugar que estivesse no caminho de suas mãos. Kane se colocou entre nós, aparando os golpes dela. Ou tentando.

— Você me dá nojo! — Ela gritou.

Ouvi Madi começar a chorar. Meus olhos encontraram os da Octavia, do outro lado da mesa, onde ela havia congelado como uma estátua. Quase. Ela sorriu? Mamãe disse ao Kane:

— Quero ela fora desta casa.

Kane disse para mim:

— É melhor você ir.

— Ir? Ir pra onde? — Perguntei.

— Para o inferno — Mamãe respondeu.

— Mãe…

— Vai! — Ela gritou. — Sai daqui, sai daqui. Sai. Daqui!

— Certo. Meu Deus. Posso pelo menos empacotar minhas coisas?

O rosto dela estava tão roxo que pensei que ela explodiria.

— Dois minutos. — E para o Kane ela disse: — Quero ela fora desta casa em dois minutos.

Ele arregalou os olhos para mim. Madi berrou e soluçou.

— Ah, Madi — Parei para consolá-la.

Mamãe me arrancou dali e gritou:

— Não ponha as mãos no meu bebê! Nunca mais toque nela!

Meu estômago revirou enquanto eu descia as escadas. Deus, ah, Deus. O que eu ia fazer?

Empacotar. Empacotar o quê? Dois minutos? Abri a mochila de natação e comecei a enfiar coisas. Tudo o que estava na minha cômoda veio em uma única leva. O que mais? Roupas. As gavetas estavam lotadas, eu jamais conseguiria empacotar tudo. Meu guarda-roupas também. Sapatos. Não havia espaço para os sapatos.

— Você tem um minuto — Mamãe guinchou pela escada.

As rosas? Não, elas teriam que ficar. Estavam mortas, de qualquer forma. Ela que ficasse com elas e fizesse bom proveito. A Octavia também. Ela podia comer minhas flores mortas.

Recolhi tudo o que conseguiria carregar, ouvi coisas caindo pelo chão enquanto eu marchava pelas escadas. Sentia-me humilhada, abandonada, devastada. Octavia vinha descendo as escadas e nós colidimos. Eu a empurrei para o lado, fervilhando.

— Espero que esteja feliz. É tudo seu agora.

Ela abriu a boca para falar, mas passei por ela com um esbarrão. Não conseguia acreditar que ela tinha feito isso comigo. Ela me odiava tanto assim?

Mamãe puxou a porta. Depois bateu-a atrás de mim.

Eu cambaleei até o jipe. Dirigi. Apenas dirigi. Estava trêmula e com frio e minhas mãos não paravam de escorregar do volante. Meu peito doía. Minhas bochechas queimavam. Meu quadril doía onde a ponta do aparador me acertou. O telefone no fundo da minha mochila tocou, acho. Tudo parecia retinir. Inclusive meus ouvidos, de tanto ouvi-la gritar. Eu não conseguia respirar. Não conseguia enxergar. Tudo virou um borrão. Tudo ficou preto.

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Até a proxima, pessoal!

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