3: Microcosmo

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inha tia é o tipo de pessoa na qual é impossível não visualizar logo que adentra no seu campo de visão, mesmo estando a metros consideráveis de distância do emaranhado de roupas punks e maquiagem pesada que a compõem normalmente.

Por isso, posso identificá-la saindo do seu carro antes mesmo de Apollo estacionar em frente à sua casa ao lado da minha, com as tradicionais calças rasgadas que sempre usava em uma tentativa falha de fazê-la parecer jovem aos cinquenta e os fios tingidos de vermelho-vivo inflamando o ar.
 
Ela bate a porta do seu fusca preto com um pouco de força além do necessário, porque um palavrão megalomaníaco lhe escapa e a faz levar a mão à boca, certamente se repreendendo. Noto que há mais adesivos nas pequenas janelas laterais do carro do que da última vez que a vi, há pouco mais de seis meses. Eles exibem ilustrações de cidades por todo o Brasil, resquícios de festas quaisquer e outros tipos de desenhos impressos nos pedaços quadrados e circulares de papel.

Tia Renata é uma nômade digital. Não permanece em um mesmo lugar por muito tempo, pois, mas suas palavras, seu coração pertence ao infinito. Foi ela quem me ensinou o significado de microcosmo, explicando sobre como o próprio ser humano é uma expressão do universo, uma imagem diminuta da imensidão estelar que paira no Oceano Cósmico. Também me mostrou como funciona o carma, chacras, filosofia hermética e tantas outras coisas que o mero pensamento me deixa zonzo.

Talvez, a coisa mais notável sobre minha tia é o quanto se satisfaz com coisas pequenas, do tipo quebrar os biscoitos de sal por entre os dedos todas as manhãs antes de comê-los e roçar as digitais nas folhas de plantas, como se através do simples toque conseguisse entrar em uma harmonia única com a natureza, e, consequentemente, consigo mesma.

Ela foi, também, a primeira pessoa para quem eu contei que sou bissexual, assim que tomei coragem para abrir o meu peito sobre esse assunto no ano passado, depois da época mais confusa e embaraçada da minha vida.

Com o passar do tempo, os nós estavam começando a desatar um pouco, mas me entender ainda não era a coisa mais fácil do cosmos.

Apollo desliga o carro, minando o pequeno estrondo do motor. Inclino o rosto para observá-lo e sinto o vento taciturno rodopiar meu cabelo, banhando os poros suados da minha nuca com um frescor reconfortante.

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