É factual que a história do mundo teve seu desenrolar permeado por uma mescla contraditória de mistérios insolúveis e descobertas distraídas de coisas que, em uma parcela exorbitante das vezes, estavam localizadas exatamente debaixo do nariz de quem as observou.
Durante uma excursão por Bornéu, no sudeste da Ásia, uma artista botânica chamada Marianne North pintou um amontoado de plantas tropicais reunidas em 1876. Anos se passaram, e alguns pesquisadores continuaram confusos a respeito de um dos cachos de frutas que North ilustrara.
Após uma pesquisa densa, a pesquisadora Tianyi Yu estudou a pintura e percebeu que não se tratava de um tipo de café selvagem — como muitos constataram. Na verdade, o trabalho de North trouxe à luz uma espécie totalmente nova chamada Chassalia northiana, a qual foi notada pela primeira vez somente 146 anos depois da pintura
Pensar sobre isso faz borbulhar nas células da minha epiderme um tipo de medo que nenhum ser humano deveria sentir: o de se surpreender positivamente com o mundo e as pessoas que o infestam como um vírus do qual não dá para se livrar tão fácil, mesmo com terremotos, tsunamis, pandemias e alterações climáticas que pioram rinites.
Temo constatar algo que meu cérebro analítico já espreita há algum tempo: a percepção de que o meu vizinho não é um café selvagem, mas uma Chassalia northiana disfarçada nas bordas dos meus sentidos. Porque a única coisa que consigo notar entre as paredes metálicas do carro é o quanto ele brilha sob as luzes de vapor de sódio dos postes envoltos nas pistas.
Contrariando algumas das minhas expectativas, Apollo me leva até a sua casa.
Pondero por um segundo na soleira da porta da frente, no entanto, tentando raciocinar se isso é uma boa ideia ou não. Provavelmente, considerando as circunstâncias e o horário do dia, está muito mais para a segunda opção. Mas não há outras alternativas que me atraiam mais do que essa. Meu cérebro está enferrujado, e meus músculos oxidam mais a cada minuto. Preciso somente me recolher em um canto e espremer meus membros em posição fetal, sem ter que me importar com um possível interrogatório da minha mãe ou — em especial — da minha tia.
A residência está inesperadamente vazia; entretanto, um perfume adocicado que paira por entre flores pinceladas de orvalho e frutas frescas turge o ar em notas rubras. Deduzo que quem estava aqui antes, acabara de sair.
Então, o vulto de algo inédito no meu campo de visão me faz saltar.
Uma figura estranha começa a despontar do vão que se abre da sala para o corredor, projetando uma sombra animalesca sobre o tapete da sala que se molda pouco a pouco em uma forma com escamas gigantes e uma cauda proeminente. Meu coração treme de um jeito esquisito, incerto sobre o que diabos é aquilo, até que o reconhecimento me faz suspirar.
Kai surge debaixo de um pijama felpudo de dinossauro, apoiando-se na esquadria do vão com os olhos apertados em curiosidade faiscando sobre mim.
— Ah, são vocês.
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O Universo Segundo Cosmos | ⚣
Teen FictionCosmos Silva, além de ter sido agraciado com um nome nem um pouco comum, teve o infortúnio de ganhar ao longo dos seus dezessete anos uma lista quase inacabável de tragédias para colecionar. Como se não bastasse ser daltônico, hipocondríaco e portad...