Frodo não para de falar há dois dias.
Mais especificamente, desde o momento em que o Cosmos interrompeu nosso abraço no meu quarto e se voltou, resoluto, para a pintura na parede. Ouvi um farfalhar no meu ombro e, quando pendi o rosto para o lado, o inseto já havia se materializado sobre a minha camisa e se posto a tagarelar erraticamente um turbilhão de frases soltas, que pairavam do adorável ao limite mais abissal da promiscuidade existente no planeta.
Ele não calou a boca a noite inteira. E tive a impressão de que estava chamando amigos, porque as sombras que os móveis do quarto projetavam no espaço pareciam tremeluzir e se entortar em formas estranhas diante dos meus olhos, escorregando pela cerâmica do piso feito serpentes moldadas pelo ocaso obtuso que se camufla nos breus do mundo.
Escondi-me debaixo dos lençóis durante toda a madrugada, tentando calar a voz irritante do Frodo, que constantemente sussurrava sobre o que eu deveria fazer para nublar meus sentidos. Bastava enfiar a mão dentro da minha calça moletom, e deixar que tudo se esvaísse pelos meus dedos. Mas eu não podia ouvi-lo. Não novamente. Da última vez que o fiz, pouco antes de começar a me medicar, foram quatro dias de compulsão por punheta, do tipo que eu mal conseguia ficar vinte minutos na sala de aula sem pedir para ir ao banheiro. Em casa, era muito pior, porque eu sequer saía do quarto para comer. E eu estaria mentindo se dissesse que essa foi a minha única crise obsessiva por alguma coisa potencialmente destrutiva.
Houve a vez, anteriormente à mudança para a minha atual residência, que o período chuvoso na antiga cidade em que morei fez florescer centenas de tipos de cogumelos pelas praças, parques e demais zonas públicas. Frodo não parava de comentar no meu ombro sobre como adorava cogumelos; sua textura, sabor macio, cores, formas e cheiros, de modo que não havia um lugar que eu não fosse capaz de reparar na existência dos fungos em questão. Até que eu comecei a arrancá-los da terra. E comer.
Não demorou muito para que eu fosse parar no hospital, felizmente não em decorrência de esporos venenosos, porque se fosse, o tratamento seria muito mais complexo. O que houve foi uma infecção intestinal proveniente de uma bactéria presente no chão do qual peguei alguns dos cogumelos. Mas, ainda assim, foi assustador para burro. E eu tive tanta vergonha de dizer o que andei fazendo para ficar doente, que sequer comentei acerca disso com minha mãe.
Apesar de ter conseguido resistir as duas noites inteiras ao ímpeto de descer a mão para dentro da cueca, o fluxo constante de pensamentos depravados que se derretiam no meu cérebro mal me permitiram olhar para Cosmos na escola ou pela minha janela durante esse tempo sem desviar o foco, soterrado por um avalanche áspero da vergonha que se sente ao perceber que algo passou do limite socialmente aceitável.
Tinha - e permaneço - com medo de ficar transparente demais o quanto minhas engrenagens internas funcionam de jeitos excêntricos demais em comparação ao que se atribui às pessoas típicas. O atípico desencadeia medo, estranhamento e por vezes repúdio, de modo que a sociedade se encarregou rápido demais de construir lugares para que pessoas como eu fossem afastadas da sociedade, reduzindo-nos ao status de pragas que precisavam ser contidas.
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O Universo Segundo Cosmos | ⚣
Teen FictionCosmos Silva, além de ter sido agraciado com um nome nem um pouco comum, teve o infortúnio de ganhar ao longo dos seus dezessete anos uma lista quase inacabável de tragédias para colecionar. Como se não bastasse ser daltônico, hipocondríaco e portad...