Osol se desmancha em uma nuvem desbotada no chão do quarto, tingindo as folhas de papel rabiscadas sobre o piso com uma nódoa pálida. O vento remexe a cortina com seus torvelinhos gelados, escorregando os tentáculos frios para dentro do cômodo sem permissão, que se enroscam cada vez mais ao redor do meu rosto desnudo feito um polvo de vidro.
Penso em levantar, mas meus ossos parecem enferrujados, como se tivessem sido corroídos durante a noite. Quase posso senti-los se desintegrando lentamente sob minha epiderme; arranhando os músculos com seus pedaços oxidados repletos de ácido tóxico.
Meu braço pende para fora da cama, escapando do bolinho de lençóis em que o meu corpo dolorido está soterrado. Talvez seja mais ou menos assim que um caracol se sente dentro da sua concha, e imaginar isso me faz desejar ser um desses moluscos de antenas por alguns segundos, só para poder levar um esconderijo pendurado nas minhas omoplatas.
— Você está atrasado, seu molenga. — Frodo se manifesta de algum canto que não consigo ver, quase como se estivesse lendo meus pensamentos sobre querer me tornar um invertebrado há poucos instantes.
Com tenho o ímpeto de rir, refletindo sobre a ironia da minha ideia. Frodo não pode vislumbrar meus pensamentos, porque ele é cada pensamento que tenho. Faz parte de mim tanto quanto meus dedos miúdos dos pés ou a frequência musical que começa a se dissolver em ondas nos meus neurônios, em uma recordação da melodia que estou viciado desde ontem.
Fecho os olhos, tentando ignorar o Frodo, embora eu saiba o quanto isso é impossível, principalmente quando ele se põe a cantarolar a trilha sonora que matuta nos meus miolos, sobrepondo seu timbre agudo quase insuportável ao rítmico agradável de Freddie Mercury entoando Somebody to Love Me.
— Me deixa em paz. — Meu timbre escoa cansado.
— Vamos, você sabe que precisa levantar, molenga.
— Molenga é você, gafanhoto. Ou devo lembrar que você não tem ossos?
Frodo salta para mais perto de mim, inclinando a cabeça com ar indignado.
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O Universo Segundo Cosmos | ⚣
Ficção AdolescenteCosmos Silva, além de ter sido agraciado com um nome nem um pouco comum, teve o infortúnio de ganhar ao longo dos seus dezessete anos uma lista quase inacabável de tragédias para colecionar. Como se não bastasse ser daltônico, hipocondríaco e portad...