Cosmos vacilou antes de aceitar o meu convite para pegarmos uma nave de papel hipotética e alçar voo rumo a uma das partes mais remotas do meu espaço em caos. E, possivelmente, o que o fez responder de forma positiva fora sua autoconstatação do quanto estava precisando pôr os pés um pouco para fora da própria bolha maciça em que flutuava pelo universo para se proteger do vácuo, e, também, de todas as coisas que brilham.
Inúmeras carcaças esquecidas de metal se erguem em todas as direções do horizonte acobreado, como se brotassem da terra insólita com cheiro de crepúsculo que nossos tênis castigam a cada passo.
Ao nosso redor, há restos de veículos carcomidos por uma ferrugem áspera que com o passar do tempo os fizeram encolher ainda mais sob si mesmos, feito folhas secas que alguma mão invisível apertou até regredir a um amontoado de fragmentos quebrados.
Alguns eletrodomésticos que certamente não funcionam mais se estendem por toda parte, atropelando seus esqueletos de metal em amontoados de outras coisas que ninguém quis mais.
Cosmos despeja um olhar confuso sobre tudo o que constitui o ferro-velho que acabamos de invadir, mas, ao contrário do que eu imaginei, não parece disposto a ir embora, somente a entender o que me fez conduzi-lo até lá. Questiono-me internamente se aconteceria algo semelhante caso eu resolvesse abrir o meu peito para ele sobre a minha doença, porém a indagação soa surreal demais até mesmo para alguém que vê um gafanhoto azul de gravata borboleta, quem dirá para alguém tão pragmático quanto ele.
Cosmos não entenderia, até porque quase ninguém entende. E eu nunca mais poderia sequer chegar perto do dito cujo sem avistar um olhar lancinante de pena ou ácido de medo pairando nas suas orbes sempre perdidas na elipse de uma galáxia qualquer. Ambas as opções me fazem sentir como se o órgão pulsante no meu peito estivesse sendo amassado tal qual as sucatas no entorno de nós dois.
— Já ouviu falar em Le Corbusier? — Rompo a película de silêncio, esfregando os polegares nos bolsos da calça jeans desbotada que me apressei em colocar antes de sairmos.
As íris de Cosmos caem sobre mim, reluzindo um punhado de constelações feitas de empolgação. Ele adora descobrir coisas novas e debater a respeito das que já sabe.
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O Universo Segundo Cosmos | ⚣
Teen FictionCosmos Silva, além de ter sido agraciado com um nome nem um pouco comum, teve o infortúnio de ganhar ao longo dos seus dezessete anos uma lista quase inacabável de tragédias para colecionar. Como se não bastasse ser daltônico, hipocondríaco e portad...