O post-scriptum
Aquele conselho de Luís Alves, na fatal noite de dois anos antes, não há dúvida que era judicioso e devera ter ficado no espírito de Estêvão. Não convinha reler a carta, sob pena de lhe achar um post-scriptum. Estêvão era curioso de epístolas; não pôde ter-se que não abrisse aquela.
O post-scriptum la estava no fim.
Vindo à linguagem natural, Estêvão saiu do jardim de Luís Alves com o coração meio inclinado a amar de novo a mulher que tanto o fizera padecer um dia. Daqui concluirá alguém que ele verdadeiramente não deixara de a amar. Pode ser; havia talvez debaixo da cinza uma faísca, uma só, e essa bastava a repetir o incêndio. Mas fosse de um ou de outro modo, o certo é que Estêvão saiu dali com o princípio do amor no coração.
Todo aquele dia foi de alvoroço e agitação para ele, que não se resignou logo, antes buscou reagir contra a entrada da paixão nova. A tentativa era sincera; as forças é que eram escassas. Ele desviava de si a imagem da moça; ela, porém, perseguia-o, tenaz, como se fora um remorso, fatal como a voz de seu destino.
Estêvão nada disse a Luís Alves do encontro e da conversa que tivera com a moça no jardim; e não lho escondeu por desconfiança, mas por vergonha. Que lhe diria porém ele que o não tivesse visto e percebido Luís Alves? Da janela de seu quarto, que dava para o jardim, enfiando os olhos pela fresta das cortinas pôde observá-los durante aqueles três quartos de hora de inocente palestra. O espetáculo não o divertiu muito; Luís Alves achou um pouco atrevida a escolha do lugar.
A circunstância de os ver juntos chamou-lhe a atenção para a coincidência do nome da vizinha com o da antiga namorada do colega; era naturalmente a mesma pessoa.
- Vai contar-me tudo, pensou Luís Alves quando viu o colega afastar-se da cerca e dirigir os passos para casa.
Estêvão, como disse, foi discreto. Vinha preocupado, muito outro do que entrara na véspera, a ler-se-lhe no rosto alguma coisa mais séria do que ele próprio costumava ser.