A carta
Não era preciso reler o papel para entendê-lo; mas olhos amantes deliciam-se com letras namoradas. O papel continha uma palavra única:- Peça-me - escrita no centro da folha, com uma letra fina, elegante, feminina. Luís Alves olhou algum tempo para o bilhete, primeiramente como namorado, depois como simples observador. A letra não era trêmula, mas parecia ter sido lançada ao papel em hora de comoção.
Desta observação passou Luís Alves a uma reflexão muito natural. Aquele bilhete, pouco conveniente em quaisquer outras circunstâncias, estava justificado pela declaração que ele próprio fizera à moça alguns dias antes, quando lhe pediu que o conhecesse primeiro, e que no dia em que o julgasse digno de o tomar por esposo, ele a ouviria e acompanharia. Mas se isto era assim em relação ao bilhete, não o era em relação à hora. Que motivo obrigaria a moça a deitar-lhe da janela, à meia-noite, aquele papel decisivo, eloqüente na mesma sobriedade com que o escrevera?
Luís Alves concluiu que havia alguma razão urgente, e portanto, que era preciso acudir à situação com os meios da situação. Quanto à razão em si, não a pôde descobrir. Ocorreu-lhe o fato, aliás patente, da corte que o sobrinho da baronesa fazia a Guiomar, mas ignorava as circunstâncias que lhe eram relativas, e não pôde passar além.
Não direi que Luís Alves gastasse a noite a cavar fundo no terreno das conjecturas vagas.
Não era homem que perdesse tempo em coisas inúteis; e nada mais inútil naquela ocasião do que tentar explicar o que nenhuma explicação podia ter para ele. O que resolveu foi obedecer ao recado da moça; pedi-la sem hesitação nem preâmbulo. Mas se o caso lhe não produziu insônia, não deixou de lhe estender a vigília, além da hora usual, como era de jeito naquela ocasião solene, sobretudo, tratando-se de criatura que por aqueles tempos era a inveja e a cobiça de muitos olhos. Luís Alves não era como Estêvão, um adorável cismador, não se nutria de imaginações e devaneios, alimento que funde pouco ou nada, mas cismou algum tempo, embebeu-se uma hora na contemplação ideal da mulher que ele soubera escolher. O sono chegou, e o devaneio confundiu-se com o sonho.
Guiomar dormiria tão repousadamente como ele? Dormia; a noite, porém, fora-lhe muito mais agitada e amarga, como era natural depois da declaração de Jorge e das insinuações da madrinha.
A moça recolhera-se ao quarto, logo depois da declaração. As pessoas da casa nada puderam ler-lhe no rosto, salvo a palidez repentina e o rubor que se lhe seguiu; mas, logo que ela se achou só, deu toda a expansão aos sentimentos que até ali pudera conter.
O primeiro deles era o despeito; Guiomar sentia-se humilhada com aquela declaração, assim feita, de emboscada e sobressalto, para arrancar-se-lhe um consentimento que o coração e a índole repeliam. Nenhuma consulta, nenhuma autorização prévia; parecia-lhe que a tratavam como ente absolutamente passivo, sem vontade nem eleição própria, destinado a satisfazer