XVI

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A confissão

Na mesma noite em que Jorge, cedendo às sugestões de Mrs. Oswald, tentava o último recurso que no entender da inglesa havia, achava-se Luís Alves em casa, comodamente sentado numa poltrona de couro, defronte da janela com os olhos no mar e o pensamento nas suas duas candidaturas vencidas. Meia-noite estava a pingar; uma pessoa descia de um tílburi e batia-lhe à porta.

Era Estêvão.

Luís Alves naturalmente admirou-se de o ver ali àquela hora; mas Estêvão explicou-lhe tudo.

- Venho passar meia hora contigo, ou a noite toda se quiseres. Estava em casa aborrecido, a pensar... bem sabes em quê...

- Nela? interrompeu Luís Alves.

- Agora e sempre.

Luís Alves torceu o bigode e olhou três ou quatro vezes para o colega, enquanto este tirava o chapéu e dispunha-se a ir buscar uma cadeira para sentar-se ao pé do outro.

- Estêvão, disse Luís Alves depois de alguns instantes de reflexão, e voltando a poltrona para dentro, ouve-me primeiro e resolverás depois se ficas a noite ou se te vais embora imediatamente. Talvez escolhas este último alvitre.

- Vais falar-me de Guiomar?

- Justamente.

Estêvão sentou-se defronte de Luís Alves. Seu coração batia apressado; dissera-se que toda a sua vida pendia dos lábios do amigo. Houve um instante de silêncio.

- Nenhuma... nenhuma esperança então? murmurou Estêvão.

- Disseste a fatal palavra! exclamou Luís Alves. Sim, não tens nenhuma esperança.

- Mas... como sabes?

- Não me interrogues; eu não poderia dizer-te tudo o que há. Poupa-me, ao menos, esse triste dever.

Estêvão sentiu arrasarem-se-lhe os olhos d'água. Quis falar, mas as palavras iam-lhe saindo envoltas em soluços.

Luís Alves fumava tranqüilamente, acompanhando com os olhos os rolinhos de fumo que lhe fugiam da ponta do charuto. Este silêncio durou cerca de dez minutos. O mar batia compassadamente na praia. A voz da onda e o latido de um cão ao longe eram os únicos sons que vinham quebrar a mudez daquela hora solene para um desses dois homens que ia perder até o repouso da esperança.

Estêvão foi o primeiro que falou:

- Ama a outro, não é? perguntou ele com a voz trêmula.

- Ama, respondeu surdamente Luís Alves.

Estêvão ergueu-se e deu alguns passos na sala, sem dizer palavra, a morder a ponta do bigode, parando às vezes, outras traduzindo com um gesto desordenado os sentimentos que lhe tumultuavam no coração. A dor devia ser grande, mas a manifestação já não era a mesma que o 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora