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braços nos joelhos da madrinha. Esta cingiu-lhe a cabeça com as mãos, e assim esteve longo tempo sem falar, mas eloqüente naquela mudez, em que a palavra pertencia ao coração. Ambas estavam comovidas; e Guiomar, de envolta com um suspiro, murmurou este único e doce nome:

- Mamãe!

Era a primeira vez que ela lhe dava este nome, e tão fundo lhe calou na alma à baronesa que a resposta foi cobri-la de beijos.

- Sim, tua mãe, disse a madrinha; a que te deu o ser não te amaria mais do que eu. Tens a alma e a ternura da filha que o céu me levou, e se todas as mães que perdem filhos pudessem substituí-los do mesmo modo, desaparecia do mundo a maior e mais cruel dor que há nele...

A resposta de Guiomar foi apertar-lhe as mãos e beijar-lhas. Seguiu-se uma pausa, em que a comoção a pouco e pouco desapareceu, e a baronesa olhou para a carta de Luís Alves, amarrotada pelo gesto de Guiomar.

- Guiomar, disse ela enfim, já refletiste no pedido de ontem à noite?

A moça esperava que a madrinha lhe falasse no pedido de Luís Alves; a pergunta da baronesa desnorteou-a um pouco. Sua inteligência, porém, era clara e sagaz; a resposta foi outra pergunta:

- Uma noite será bastante para decidir de todo o resto da vida? disse ela sorrindo.

- Tens razão, minha filha; mas a pergunta era natural da parte de quem quer ver realizado um desejo. Jorge pediu-te em casamento. Sabes que é um excelente caráter?

- Excelente, respondeu a moça.

- Uma boa alma, continuou a baronesa, e um moço distinto. Parece gostar muito de ti, segundo disse ontem, não? É natural; só me admira que não te amem muitos mais.

A baronesa parou; Guiomar brincava com as franjas da manga sem se atrever a levantar os olhos.

- Deves saber, continuou a baronesa, - que eu estimaria ver que este casamento se efetuasse; estou convencida de que te faria feliz, e a ele também, pelo menos tanto quanto é possível julgar das coisas presentes... Que diz o teu coração?

E como Guiomar não respondesse logo:

- Ah! esquecia-me do que me disseste há pouco. Uma noite não é bastante para decidir de todo o resto da vida. Bem; ouvir-me-ás mais duas coisas. A primeira é que... Lê tu mesma esta carta.

A baronesa deu a carta a Guiomar, que a abriu e leu o pedido que Luís Alves fazia de sua mão. Enquanto ela percorria com os olhos as poucas linhas escritas, a madrinha parecia observá-la fixamente, como a tentar ler-lhe no rosto a impressão que o pedido lhe fazia, se espanto, se satisfação. Não houve espanto nem satisfação aparente; Guiomar leu a carta e entregou-a à madrinha.

- Leste? É a primeira coisa que eu queria dizer-te. O Dr. Luís Alves pede-te em casamento; tens de escolher entre ele e Jorge. A segunda coisa é que dos dois pretendentes Jorge é o que meu coração prefere; mas não sou eu que me caso, és tu; escolhe com plena liberdade aquele que te falar ao coração.

Guiomar erigiu o busto e olhou direitamente para a madrinha, com tais sinais de espanto no rosto, que esta não pôde deixar de lhe perguntar:

- Que tens?

A moça não respondeu; quero dizer não lhe respondeu com os lábios; travou-lhe da mão e apertou-a entre as suas, e ficou a olhar para ela como a refletir. A expressão de seu rosto passara do espanto à satisfação e desta a uma coisa que parecia a um tempo indignação e asco.

- Oh! madrinha! exclamou Guiomar, por que se não entenderam logo os nossos corações? 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora