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lhe há de fazer? Quem não ama não ama. Dele é que eu tenho pena!

- Gosta muito de mim, não? perguntou Guiomar fitando os olhos na inglesa.

- Oh! parece que sim! A senhora deve sabê-lo tanto como eu; eu sei o que tenho visto, e creio que é muito.

- Eu nunca vi nada, respondeu secamente Guiomar.

A resposta de Mrs. Oswald foi um sorriso de incredulidade, que a outra não viu ou não quis ver. Houve uma pausa; Guiomar continuou nestes termos:

- Mas seja como for, a minha resposta é negativa. Estou que ele não me fará a injúria de querer casar comigo, sem que eu o ame...

Guiomar parou, como a esperar, que a outra lhe dissesse alguma coisa. Desta vez coube a Mrs. Oswald não responder nada, nem com a voz nem com o gesto. A moça inclinou o corpo, pôs os braços sobre os joelhos, com os dedos cruzados, e entre um riso amável e um olhar afetuoso, continuou:

- A senhora podia, se acaso ele alguma vez lhe falou nisso ou vier a falar-lhe, podia dissuadi-lo de tais idéias, dizendo-lhe simplesmente a verdade e dando-lhe conselhos, os conselhos que a senhora há de saber dar, e que ele aceitará decerto, porque é um bom coração, um caráter estimável...

- Oh! excelente! um moço excelente!

E as duas ficaram a olhar uma para a outra, Guiomar a sorrir, mas de um sorriso, que era uma contração voluntária dos músculos, e a inglesa a fazer um rosto de piedade, e adoração, e pena, e muita coisa junta, que a moça só começou a compreender, quando ela rompeu o silêncio deste modo:

- Estou a duvidar se devo dizer-lhe o resto.

- O resto? perguntou Guiomar admirada. Pois que há mais?

A inglesa aproximou a cadeira. Guiomar endireitou o busto e esperou ansiosa a revelação

- se revelação era - que lhe ia fazer Mrs. Oswald. Esta não falou logo; era razoável hesitar um pouco, lutar consigo mesma, antes de dizer alguma coisa. Enfim, com um movimento de quem ajunta as forças todas e as emprega em coisa superior à coragem usual:

- D. Guiomar, disse ela, pegando-lhe nas mãos, ninguém pode exigir que se case sem amar o noivo; seria na verdade uma afronta. Mas o que lhe digo é que o amor que não existe por ora, pode vir mais tarde, e se vier, e se viesse, seria uma grande fortuna...

- Mas acabe, acabe, interrompeu a moça com impaciência.

- Seria uma grande fortuna para a senhora, para ele, ouso dizer que para mim, que os estimo e adoro, mas sobretudo para a senhora baronesa.

- Como assim? disse Guiomar.

- Oh! para ela seria a maior fortuna da vida, porque é hoje o seu mais entranhado e vivo desejo, o seu desejo verdadeiramente da alma. A senhora...

- Está certa disso?

- Certíssima.

- Não creio, não vejo nada que...

- Creia, deve crer. Se me promete nada dizer desta nossa conversa, nem fazer suspeitar por nenhum modo o que lhe estou contando...

-Fale.

- Pois bem, - continuou Mrs. Oswald abaixando a voz, como se alguém pudesse ouvi-la na solidão daquela alcova, e no silêncio profundo daquela casa, que toda dormia - pois bem, eu lhe direi que por ela mesma tive notícia deste seu desejo. Quando eu percebi a paixão do Sr. Jorge, falei nisso a sua madrinha, gracejando na intimidade que ela me permite, e a senhora baronesa em vez de sorrir, como eu esperava que fizesse, ficou algum tempo pensativa e séria, até que rompeu 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora