XV

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Embargos de terceiro

Durante três dias deixou Luís Alves de ir à casa da baronesa, estando aliás a morrer por isso. Entrava porém no plano esta ausência; era das instruções que ele mesmo dera ao seu coração; não havia remédio senão observá-las.

No quarto dia recebeu um bilhete da baronesa que o cumprimentava pela eleição. A mala do Norte chegara, e com ela a notícia da vitória eleitoral. Estava Luís Alves deputado; ia enfim dar a sua demão no fabrico das leis. Estêvão foi o primeiro que o felicitou; era o antigo companheiro dos bancos da academia; tanto ou mais do que os outros devia aplaudir aquela boa fortuna. Não lhe escondeu, entretanto, a inveja que ela lhe metia:

-Deputado! suspirou ele. Oh! eu também podia ser deputado.

Estêvão dizia isto, como a criança deseja o dixe que vê no colo de outra criança - nada mais. Eram os seus sonhos de outrora, que renasciam tais quais eram, inconsistentes, vagos, prestes a dissiparem-se com o primeiro raio da manhã.

Luís Alves apressou-se a ir agradecer à baronesa a felicitação. Guiomar teve um leve estremecimento quando o viu, mas recebeu-o tranqüila e risonha, quase indiferente. O advogado era hábil; não a perseguiu com os olhos; sobre acordar a atenção das demais pessoas, era seguir o método comum. Ele não queria parecer-se com os outros.

Guiomar, entretanto, observava-o a espaços, de revés, como a querer surpreendê-lo; a pouco e pouco, porém, o seu olhar foi sendo mais direito e firme. O de Luís Alves era natural e igual como antes era, como era ainda agora com todos.

Ao sair, junto à porta de uma sala, onde acaso a topou, Luís Alves teve ocasião de lhe dizer esta simples palavra:

- Perdoou-me?

A moça retirou a mão, que ele tinha presa na sua, e furtou o corpo, ao mesmo tempo que lhe caíam as pálpebras.

- Perdoou-me? repetiu ele.

Guiomar retirou-se sem dizer palavra. Luís Alves esperou que ela desaparecesse e saiu. A moça, entretanto, ficou irritada por nada lhe ter respondido, sendo verdade que nada achou nem acharia talvez que lhe responder; mas arrependeu-se e pensou longo tempo naquilo.

Quer dizer que o amava? Quer dizer que estava prestes a isso. A arraiada branqueava o céu, tingiria depois o cimo dos montes, entornar-se-ia enfim pela encosta abaixo, até aparecer o sol - o sol contemporâneo de Adão, e do último homem que há de vir. 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora