XII

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A viagem

Mal recomeçara Luís Alves a leitura dos autos, entrou no gabinete o criado apresentando-lhe um bilhete de visita.

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Que entre! disse o advogado lendo o nome do sobrinho da baronesa.

E logo se ouviu no corredor o passo medido e lento do mancebo, que daí a nada assomava à porta do gabinete, fazendo uma cortesia, sisuda, mas graciosa.

- Venho incomodá-lo, doutor? perguntou Jorge.

- Pelo amor de Deus! exclamou o advogado erguendo-se e indo buscá-lo à porta. Não me incomodaria em caso nenhum; agora, sobretudo, que a leitura de uns papéis me fatigou sobremaneira, a maior fortuna que eu poderia desejar é a presença de um homem de espírito.

Jorge agradeceu este cumprimento um pouco enfático, e retribuiu-o com outra lisonjaria muito mais extensa e de maior alcance. Quer dizer que ele vinha pedir alguma coisa.

Efetivamente, passados os minutos de intróito e desfiadas as generalidades, Jorge empertigou-se mais do que até ali estivera e desfechou esta pergunta abrupta:

- Sabe que venho pedir-lhe uma coisa grave?

Luís Alves inclinou-se.

- Grave e simples ao mesmo tempo, continuou o sobrinho da baronesa; mas antes disso precisava saber se é tão amigo da nossa família, como ela o é do senhor.

- Oh! decerto!

- O senhor é o menos assíduo, talvez, das pessoas que lá vão, apesar de vizinho; só agora o vejo ali mais a miúdo; entretanto é como flor que se trai pelo aroma; minha tia tem a seu respeito a melhor opinião do mundo; acha-lhe uma gravidade, e eu também a sinto, e nem compreendo que um homem possa ser outra coisa. Os tais espíritos fúteis...

- São insuportáveis, concluiu Luís Alves ansioso por chegar ao objeto da visita.

O objeto era a viagem da baronesa. Um comendador, amigo do finado barão, e fazendeiro em Cantagalo, tinha promessa da viúva, havia dois anos, de ir lá passar algum tempo. A baronesa esquivara-se sempre a cumprir a palavra dada; agora porém, tal fora a insistência, que se resolvera a ir. Ora, o que Jorge vinha propor era - expressões dele - uma conjuração de amigos para dissuadir a tia daquele projeto. Afiançava ao advogado que, ainda descoberta a conjuração, teria ele a vida sã e salva.

Luís Alves supôs a princípio que aquilo era um simples pretexto; mas, tendo observado que a bela Guiomar não era indiferente ao rapaz, compreendeu que este tinha na conjuração proposta, um interesse inteiramente pessoal. Enfim, Jorge chegou a confessar que, se a tia insistisse em sair da Corte, ele não tinha remédio senão acompanhá-la.

O acordo não foi difícil; ficou assentado que fariam todos os esforços para dissuadir a baronesa. Jorge quis sair logo; reteve-o Luís Alves algum tempo mais, com expressões de louvor habilmente tecidas e mais habilmente encastoadas na conversação; e também deixando-se ir à feição do espírito dele, aceitando-lhe as idéias e os preconceitos, e aplaudindo-os discretamente -

sério, quando eles o eram ou pareciam ser - chocarreiro quando vinham com ar de graça - 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora