VII

20 2 0
                                    

Um rival

Não era a primeira vez que Mrs. Oswald aludia a alguma coisa que desagradava a Guiomar, nem a primeira que esta lhe respondia com a sequidão que o leitor viu no fim do capitulo anterior. A boa inglesa ficou séria e calada alguns dois ou três minutos, a olhar para Guiomar, aparentemente buscando interrogar-lhe o pensamento, mas na realidade sem saber como sair da situação. A moça rompeu o silêncio:

·

Está bom, disse ela sorrindo, não vejo razão para que se zangue comigo.

- Não estou zangada, acudiu prontamente Mrs. Oswald. Zangada por quê? Pesa-me, decerto, que a natureza me não dê razão, e que uma aliança tão conveniente, para ambos, seja repelida pela senhora; mas se isto é motivo de desgosto, não pode sê-lo de zanga...

- Desgosto?

- Para mim... e naturalmente para ele.

Guiomar respondeu com um simples sacudir de ombros, seco e rápido, como quem se lhe não dava do mal ou não acreditava nele. Mrs. Oswald não atinou qual destas impressões seria, e concluiu que fossem ambas. A moça, entretanto, pareceu arrepender-se daquele movimento; travou das mãos da inglesa, e com uma voz ainda mais doce e macia que de costume, lhe disse:

- Veja o que é ser criança! Não parece que ainda em cima me zango com a senhora?

- Parece.

- Pois não é exato. Isto são caprichos de menina mal-educada. Dei para não gostar que me adorem... Minto; disso gosto eu; mas quisera que me adorassem somente, não lhe parece?

E Guiomar acompanhou estas palavras com uma risadinha mimosa e uns gestos de criança travessa, que destoavam inteiramente da sua gravidade habitual.

- Já sei, gosta de uma adoração como a do Dr. Estêvão, silenciosa e resignada, uma adoração...

E Mrs. Oswald, que, como boa protestante que era, tinha a Escritura na ponta dos dedos, continuou por este modo, acentuando as palavras:

- Uma adoração como a que devia inspirar José, filho de Jacó, que era belo como a senhora: "por ele as moças andavam por cima da cerca"...

- Da cerca? perguntou Guiomar tornando-se séria.

- Do muro, diz a Escritura, mas eu digo da cerca porque... nem eu sei por quê. Não core!

Olhe que se denuncia.

Guiomar corara deveras; mas era a altivez e o pundonor ofendido que lhe falavam no rosto. Olhou fria e longamente para a inglesa, com um desses olhares, que são, por assim dizer, um gesto da alma indignada. O que a irritava não era a alusão, que não valia muito, era a pessoa que a fazia, - inferior e mercenária. Mrs. Oswald percebeu isto mesmo; mordeu a ponta do lábio, 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora