XI

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Luís Alves

Durante uma inteira e comprida semana, deixou Estêvão de aparecer no escritório onde trabalhava com Luís Alves; não apareceu também em Botafogo. Ninguém o viu em todo esse tempo nos lugares onde ele era mais ou menos assíduo. Foram seis dias, não digo de reclusão absoluta, mas de completa solidão, porque ainda nas poucas vezes que saiu, fê-lo sempre a horas ou em direções que a ninguém via, e de ninguém era visto.

Mas não fora essa crua e malfadada crise, e é quase certo que ele meteria uma lança na África daqueles dias, que era um ponto muito sério e grave, a questão magna da Rua do Ouvidor e da casa do José Tomás, a ponderosa, crespa e complicada questão de saber se a Stephanoni estrearia no Ernani. Esta questão, de que o leitor se ri hoje, como se hão de rir os seus sobrinhos de outras análogas puerilidades, esta pretensão a que se opunha a Lagrua, alegando que o Ernan i era seu, pretensão que fazia gemer as almas e os prelos daquele tempo, era coisa muito própria a espertar os brios do nosso Estêvão, tão marechal nas coisas mínimas, como recruta nas coisas máximas.

Infelizmente ele não aparecia, não sabia sequer do conflito e do debate, ocupado como estava em travar o áspero e sangrento duelo do homem contra si mesmo, quando lhe falta o apoio, ou a consolação dos outros homens. Todo ele era Guiomar; Guiomar era o primeiro e o último pensamento de cada dia. A sombra da moça vivia ao pé dele e dentro dele, no livro em que lia, na rua solitária onde acaso transitava, nos sonhos da noite, nas estrelas do céu, nas poucas flores de seu inculto jardim.

Um leitor perspicaz, como eu suponho que há de ser o leitor deste livro, dispensa que eu lhe conte os muitos planos que ele teceu, diversos e contraditórios, como é de razão em análogas situações. Apenas direi por alto que ele pensou três vezes em morrer, duas em fugir à cidade, quatro em ir afogar a sua dor mortal naquele ainda mais mortal pântano de corrupção em que apodrece e morre tantas vezes a flor da mocidade. Em tudo isto era o seu espírito apenas um joguete de sensações contínuas e variadas. A força, a permanência do afeto não lhe bastava a dar seguimento e realidade às concepções vagas de seu cérebro - enfermo, ainda quando estava de saúde.

A idéia do suicídio fincou-se-lhe mais adentro no espírito, certa tarde em que ele saiu a espairecer, e viu um enterro que passava, caminho do Caju. O préstito era triste - ainda mais triste pela indiferença que se lia no rosto dos que iam piedosamente acompanhando o morto. Estêvão descobriu-se e sinceramente desejou ir ali dentro, metido naquelas estreitas tábuas de pinho, com todas as suas dores, paixões e esperanças.

- "Não tenho outro recurso", pensou ele; é necessário que morra. É uma dor só, e é a liberdade.

Ao voltar para casa, uma criança que brincava na rua, sem camisa, com os pés na água barrenta da sarjeta, fê-lo parar alguns instantes, invejoso daquela boa fortuna da infância, que ri 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora