Dali a dias, entrando Luís Alves em casa da baronesa, teve a boa fortuna de encontrar a moça sozinha, na sala do trabalho, donde a baronesa se ausentara cinco minutos antes. Mrs.
Oswald achava-se fora. Era a hora da tardinha; o dia estava prestes a afogar-se no seio da noite.
Guiomar, molemente sentada numa cadeira baixa, tinha um livro aberto sobre os joelhos e os olhos no ar. Luís Alves surpreendeu-a nessa atitude meditativa, mais bela do que nunca, porque assim, e àquela hora, e com o vestido meio escuro que lhe realçava a cor de leite da face, tinha um quê de gracioso e severo, ao mesmo tempo, que parecia buscado de propósito para recebê-lo.
- Minha madrinha já vem, disse Guiomar logo depois de lhe estender a mão, que ele apertou e sentiu um pouco trêmula.
- Talvez daqui a cinco minutos, disse ele; é bastante para decidir o meu destino. Duas vezes lhe perguntei se me perdoara; pela terceira lhe peço que me responda; custa pouco uma única palavra; custa menos ainda, um único gesto.
A moça olhou algum tempo para o livro que tinha diante de si. A manhã, porém, era já alta no coração de Guiomar, a claridade intensa, o sol quente e vivo, porque ela não olhou muito tempo para o livro, nem hesitou mais do que era natural e exigível naquela ocasião. Dois minutos depois fez o gesto, um gesto só, mas ainda mais eloqüente do que se ela falasse - estendeu-lhe a mão.
Luís Alves apertou-lha entre as suas.
A comoção era natural em ambos; ali estiveram alguns instantes calados, ele com os olhos fitos nela, ela com os seus no chão. As mãos tocavam-se e os corações palpitavam uníssonos.
Decorreram assim cinco breves minutos. Ela foi a primeira que rompeu o silêncio.
- Um gesto, um só gesto, e é o meu destino que lhe entrego com ele, disse Guiomar olhando em cheio para o moço.
- Ainda não. Se os nossos destinos se ligarem, estou convencido de que o meu amor, pelo menos, terá a virtude de a tornar feliz. Mas nada está feito ainda, e se eu fui breve e apressado na confissão, não o desejo ser na consagração que lhe peço.
Luís Alves calara-se; a moça olhava para ele como buscando entendê-lo.
- Sim, continuou ele; melhor é que não ceda a um instante de entusiasmo. Minha vida é sua; todo o meu destino está nas suas mãos... Contudo, não quero surpreender-lhe o coração neste momento; no dia em que me julgar verdadeiramente digno de ser seu esposo, ouvi-la-ei e segui-la-ei.
A resposta da moça foi apertar-lhe as mãos, sorrir, e embeber os seus olhos nos dele. O
passo da baronesa interrompeu esta contemplação.
Guiomar amava deveras. Mas até que ponto era involuntário aquele sentimento? Era-o até o ponto de lhe não desbotar à nossa heroína a castidade do coração, de lhe não diminuirmos a força de suas faculdades afetivas. Até aí só; daí por diante entrava a fria eleição do espírito. Eu não a quero dar como uma alma que a paixão desatina e cega, nem fazê-la morrer de um amor silencioso e tímido. Nada disso era, nem faria. Sua natureza exigia e amava essas flores do coração, mas não havia esperar que as fosse colher em sítios agrestes e nus, nem nos ramos do arbusto modesto plantado em frente de janela rústica. Ela queria-as belas e viçosas, mas em vaso de Sèvres, posto sobre móvel raro, entre duas janelas urbanas, flanqueado o dito vaso e as ditas flores pelas cortinas de caxemira, que deviam arrastar as pontas na alcatifa do chão.
Podia dar-lhe Luís Alves este gênero de amor? Podia; ela sentiu que podia. As duas ambições tinham-se adivinhado, desde que a intimidade as reuniu.
O proceder de Luís Alves, sóbrio, direto, resoluto, sem desfalecimentos, nem demasias ociosas, fazia perceber à moça que ele nascera para vencer, e que a sua ambição tinha verdadeiramente asas, ao mesmo tempo que as tinha ou parecia tê-las o coração. Demais, o