38

17 1 0
                                    

Esta opinião, dita em tom seco e firme, ainda que a voz nada perdesse do seu natural aveludado, equivaleu a um pouco de água fria lançada na fervura triunfante dos ânimos.

- Guiomar tem razão, disse a baronesa; já agora é preciso ir; são apenas três ou quatro meses.

Luís Alves olhou longamente para Guiomar, como a procurar ver-lhe no rosto todas as antecedências da resolução da baronesa. A oposição afrouxara; Jorge chamou em vão o advogado em seu auxilio. A resolução da tia, se alguma vez fora abalada, tornara-se outra vez firme.

Guiomar, entretanto, erguera-se e chegara ao grupo da madrinha. Jorge fitou-a com uma expressão de vaidade e cobiça. Luís Alves, que se achava de pé, recuou um pouco para deixá-la passar. Os olhos com que a contemplou não eram de cobiça nem de vaidade; a leitora, que ainda lembrará da confissão por ele mesmo feita a Estêvão, suporá talvez que eram de amor. Talvez -

quem sabe? - amor um pouco sossegado, não louco e cego como o de Estêvão, não pueril e lascivo, como o de Jorge, um meio-termo entre um e outro - como podia havê-lo no coração de um ambicioso.

- O Dr. Luís Alves defende causas más, disse Guiomar sorrindo para ele; não se trata de uma coisa impossível. Quanto a mim, Cantagalo só tem um inconveniente; será menos divertido que a Corte; mas o tempo passa depressa...

- Nesse caso, disse Jorge suspirando, eu também dispenso teatros e bailes; sacrifico-me à família.

- Queres ir conosco? perguntou a baronesa alegremente.

- Que dúvida!

Guiomar mordeu o lábio inferior, com uma expressão de despeito, que pôde conter e abafar, sem que ninguém a percebesse, ninguém, exceto Luís Alves. Um sorriso tranqüilo e perspicaz roçou os lábios do advogado, enquanto a moça, para esconder a impressão que lhe ficara, de novo se dirigiu à janela, onde esteve alguns momentos sozinha, meia voltada para fora e meia guardada pela sombra que ali fazia a cortina. Um rumor de passos fê-la voltar-se para dentro. Era Luís Alves.

- Ah! disse ela fingindo-se tranqüila; agradeço-lhe não haver insistido mais nos seus conselhos.

- A intenção era boa, respondeu Luís Alves em voz baixa; mas será agora excelente; nem tudo está perdido: eu me incumbo de salvar o resto.

Guiomar franziu a testa com o mais vivo e natural espanto; tal espanto que parecia havê-la feito esquecer outro sentimento, igualmente natural:- o do despeito que lhe ausaria aquela singular familiaridade. Mas o assombro dominou tudo; Guiomar sentiu que ele lera nela a razão da insistência e o desgosto do resultado.

A ruga desfez-se a pouco e pouco, mas a moça não retirou logo os olhos. Havia neles uma interrogação imperiosa, que a alma não se atrevia a transmitir aos lábios. Se há nos do leitor alguma interrogação, esperemos o capítulo seguinte. 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora