34

15 1 0
                                    

com os pés no charco. Mas a inveja da morte e a inveja da inocência foram ainda substituídas pela inveja da felicidade, quando ao recolher-se viu as janelas abertas de uma casa vizinha, e a sala iluminada, e uma noiva coroada de flores de laranjeira, a sorrir para o noivo, que sorria igualmente para ela, ambos com o sorriso indefinível e único da ocasião.

Os cinco dias correram-lhe assim, travados de enojo, de desespero, de lágrimas, de reflexões amargas, de suspiros inúteis, até que raiou a aurora do sexto dia, e com ela - ou pouco depois dela, uma carta de Botafogo. Estêvão quando viu o criado da baronesa, à porta da sala, com uma carta na mão, sentiu tamanho alvoroço, que não ouviu nada do que ele lhe disse.

Suporia que a carta era de Guiomar? Talvez; mas a ilusão durou os poucos instantes que ele gastou em romper a sobrecarta e desdobrar a folha de papel que vinha dentro.

A carta era da baronesa.

A baronesa perguntava-lhe graciosamente se ele havia morrido, e pedia que fosse falar-lhe acerca da demanda que ela trazia. Estêvão chegara já ao estado de só esperar um pretexto para transigir consigo mesmo; não podia havê-lo melhor. Escreveu rapidamente duas linhas de resposta, e à uma hora da tarde apeava-se de um tílburi à porta da funesta e deliciosa casa, onde havia passado as melhores e as piores horas da vida.

- Sabe por que razão lhe dei este incômodo, além do prazer que tinha em vê-lo? perguntou a baronesa logo depois dos primeiros cumprimentos.

- Disse-me que era por causa da demanda...

- Sim, precisamos assentar algumas coisas, antes da nossa partida.

- V. Exa. sai da Corte?

- Vamos para a roça.

Estêvão empalideceu. Na situação dele, aquela viagem era a melhor coisa que lhe podia acontecer; contudo, fez-lhe mal a notícia. A conversa que se seguiu foi toda sobre o assunto forense, e durou uma longa hora, sem que aparecesse Guiomar. Ao despedir-se atreveu-se Estêvão a perguntar por ela.

- Anda passeando, respondeu a baronesa.

Estêvão despediu-se da constituinte, que o acompanhou até à portada sala, repetindo-lhe algumas recomendações, que o advogado mal pôde ouvir e absolutamente lhe não ficaram de memória.

A esperança de ver a moça levara-o, mais que tudo, àquela casa; saía sem ter o gosto de a contemplar ainda uma vez; mais do que isso, ameaçado de a não ver tão cedo, ou quem sabe se nunca mais. Ia ele a refletir nisto e a aproximar-se da porta, onde parava ao mesmo tempo um carro. Estêvão estremeceu naturalmente, antes de ver quem ia apear-se; grudou-se ao portal, com os olhos fitos na portinhola, que um lacaio abria apressadamente.

A primeira figura que desceu foi a nossa conhecida Mrs. Oswald, que o fez, sem dar tempo a que Estêvão lhe oferecesse a mão. O bacharel, desde que a vira, aproximara-se rapidamente da portinhola.

Guiomar desceu logo depois. A mão apertada na luva cor de pérola pousou levemente na mão de Estêvão que estremeceu todo. A moça fez-lhe um cumprimento risonho, murmurou um agradecimento e recolheu-se com a inglesa. Era pouco; mas esse pouco alvoroçou o bacharel, que enfiou dali para a cidade, em direção ao escritório.

Luís Alves admirou-se de o ver; não foi com um espanto de seis dias, como devera ser, mas de quarenta e oito horas, quando muito. Que admira? A preocupação de Luís Alves por aqueles dias era a candidatura eleitoral; a boa-nova devia chegar-lhe na primeira mala do Norte.

Ora, em boa razão, um homem que está prestes a ser inscrito nas tábuas do parlamento, não pode cogitar muito dos amores de um rapaz, ainda que o rapaz seja amigo e os amores verdadeiros.

Estêvão não perdeu tempo em circunlóquios; foi entrando e entornando a alma toda, aflita 

A Mão e a Luva (1874)Onde histórias criam vida. Descubra agora