Havia algo errado com Cecília. Elena sabia como se sua irmã fosse um membro a mais do próprio corpo, e o mais inquietante era que assim como sua perna não lhe diria o que havia de errado, Cecília também não o fazia.
A torta pingava do garfo que ela sustentava no ar, e os olhos dela não deixavam de encarar o nada.
Era concentração demais quando na cadeira ao lado Valerie berrava.
- Cala a boca, sua peste! - Celestine gritou, pegando um pêssego da louça e o atirando contra a caçula.
O pêssego passou há poucos centímetros do ombro de Cecília. Definitivamente seus olhos teriam visto ele voando até a testa de Valerie, e se olhasse pro lado também veria a toalha de mesa de Delphine, antes branca e imaculada, com uma enorme mancha de melado.
E nada.
Ela nem piscava.
Delphine não estava à mesa, seu pai menos, e a atual terceira soberana da casa, que nunca permitiria tal selvageria, não conseguia nem terminar a garfada da torta.
- Cecília! - Elena chamou. Chamou pela terceira vez.
O pedaço de torta caiu de volta no prato.
- An? - Sua irmã a olhou confusa. Elena apontou para a guerra civil acontecendo à mesa. Cecília então pareceu recobrar os sentidos. - Oh, meu Deus! Por que fez isso?!
- Eu?! - Celestine se indignou. - Ela não fecha essa boca por um instante! Eu ainda nem acordei!
Cecilia pegou Valerie no colo e saiu da sala, com a pobre criatura ainda segurando a testa, toda melada de geleia e ranho. Uma bela imagem para se ter no café da manhã.
Era isso que ganhava por ter escolhido acordar mais tarde e não ir com os outros passear com os Doyle.
Só restava Celestine com ela agora.
Não precisou disfarçar muito, apenas se inclinou e perguntou:
- Você sabe o que há de errado com ela?
Era insultante ter de perguntar à uma criança de treze anos, quando era a única a dividir o quarto com Cecília.
O mau humor matinal no rosto da menina foi varrido imediatamente.
- Está pior hoje, não está? - Ela cochichou. Celestine se levantou, passando seu café da manhã para um lugar mais próximo ao de Elena, e então indo correndo se sentar nele. - Se ela perguntar, eu não disse nada, mas acho que tem a ver com o correspondente dela.
"O correspondente" era o apelido de Sr. Weston. E obviamente tinha a ver com ele, como achou que Celestine traria informações mais precisas?
Nos últimos dias, Cecília parecia até estar escondendo algumas cartas, como se temesse que alguém fosse as ler. E talvez fosse coisa de sua cabeça, mas parecia que ela temia que Elena, em especial, lesse.
Parando de escrever quando Elena entrava, dobrando as cartas recebidas, e sempre conferindo se Elena não havia pegado uma das suas por engano pela manhã.
- O que a faria não poder me contar?
Celestine não teria a resposta, como o esperado a garota só deu de ombros.
- Talvez você não seja mais a preferida dela. - A encrenqueira sugeriu.
Elena se virou, com a maturidade que seus 19 anos lhe deram, e empurrou a cara dela no prato de torta.
Celestine a xingou, obviamente. Sua mãe não estava à mesa para impedir.
Mas seria um alívio saber que a teoria dela estava correta. Porque tudo o que fosse tão sério que Cecília não dizia nem à ela causava arrepios.
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Woodrest: Tempestades no paraíso
Ficción históricaLIVRO I Elena Desmond era a quarta de oito filhas, e não tinha sequer um irmão. Era também a que diria sim à qualquer um para dar ao pai o alívio de uma filha a menos para se preocupar, não importava quem fosse o pretendente. Ao menos até conhecer C...